CRISE CLIMÁTICA FICA EM 2º PLANO NO DEBATE ELEITORAL

Lenilde Pacheco
12/08/2022 às 09:58
   Se você faz parte do enorme contingente de brasileiros atentos às consequências das mudanças climáticas, queimadas e elevação do nível do mar não espere a oportunidade de ver as questões ambientais bem discutidas durante a campanha eleitoral de 2022. O tema estará presente na maior parte dos programas de governo dos candidatos à Presidência, mas tradicionalmente é um dos menos debatidos, em sucessivas corridas ao Palácio do Planalto. Não será diferente agora.

Para 77% dos brasileiros (Ibope/2020), a proteção do meio ambiente é imprescindível, ainda que isso signifique menos crescimento econômico. A pesquisa também mostrou que os preocupados com a causa ambiental são predominantemente jovens, pessoas mais escolarizadas e mulheres para quem é chegada a hora de o governo olhar para a conservação dos recursos naturais de forma muito mais estratégica. 

O problema é que a urgência climática vai para o fim da fila de prioridades num país onde a fome, a falta de acesso à educação e saúde, o déficit habitacional e a segurança pública provocam tragédias diárias. Para reduzir tal distanciamento, cientistas brasileiros discutem a interligação dos temas, como no webinário sobre “Biodiversidade Terrestre e Marinha: conservação, uso e desenvolvimento sustentável”, promovido pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), na primeira semana de agosto.

Eles mostraram que a conservação da biodiversidade deve ser uma preocupação de toda a sociedade porque está diretamente relacionada à erradicação da pobreza e da fome, à saúde e ao bem-estar da população, à redução da desigualdade, ao consumo e à produção responsáveis e demais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para serem cumpridas até 2030.

Os ODS de biodiversidade (vida na água e na terra) estão fortemente associados à redução da pobreza, segundo os debatedores. A biodiversidade também possui capacidade de gerar empregos e movimentar a economia, no turismo, por exemplo. O professor Carlos Joly, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mencionou estudo recente em que pesquisadores mostram que o Brasil poderia gerar 2,5 milhões de empregos se atendesse à meta estabelecida no Acordo de Paris de restaurar 12 milhões de hectares até 2030. A recuperação da vegetação nativa ainda favorece a geração de água que abastece zonas rural e urbana. 

No debate promovido pela Academia de Ciências e FAPESP, o oceano naturalmente teve um capítulo especial, com merecido destaque. Os mares cobrem 71% da superfície do planeta. O desenvolvimento da Oceanografia como ciência contribui para ampliar a obtenção de alimentos. Oceanógrafos auxiliam o desenvolvimento da pesca e da maricultura, a extração de recursos minerais e energia, o controle da poluição marítima, a manutenção da estabilidade de áreas costeiras, o monitoramento e a previsão de ressacas e eventos extremos, entre outros. 

O fato é que as universidades brasileiras estão repletas de estudos que fornecem dados sobre a importância de equilíbrio dos ecossistemas e habitats. Encurtar a distância entre o conhecimento gerado nas instituições de ensino e pesquisa e a vida real é um desafio para os governantes. Essa mesma lógica é válida para textos que tramitam no Congresso. 

Um excelente começo seria estabelecer controle de inundações e das erosões marítima e fluvial nas áreas litorâneas por meio do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. É o que determina o Projeto de Lei do Senado 232/2015, aprovado há um ano pela Comissão de Meio Ambiente do Senado. A proposta foi para a Câmara Federal. 

O texto, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), busca complementar a Lei 7.661/1998, que lançou as bases para o uso sustentável de seus recursos naturais, priorizando a conservação e a proteção dessas áreas. Com a mudança, foi assegurada a incorporação da diretriz nas atualizações dos planos estaduais e municipais de gerenciamento costeiro, elaborados e executados com a participação da União, dos estados e dos municípios, por meio de órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Outro exemplo são as soluções elaboradas por pesquisadores, como  Kobiyama et al., da Universidade Federal de Santa Catarina e Unicamp, no trabalho intitulado "Prevenção de desastres naturais: conceitos básicos" (2006). Eles demonstram que na escala mundial, cada R$ 1 investido em prevenção equivale, em média, entre R$ 25 e 30 de obras de reconstrução pós-evento. 

Os desastres têm magnitudes amplas e variadas, fundamentalmente pela falta de alocação de recursos e pela escassez de textos que orientem para a fase de prevenção. Isso é um fato, que preocupa órgãos nacionais e internacionais e propõe treinamento e preparação pré-evento climático, argumentam os pesquisadores.

Conceitos e aplicações para diferentes casos na prevenção de desastres estão relacionados no trabalho, com ênfase em recursos hídricos, incluindo métodos preventivos para inundações e os escorregamentos de terra. A ideia proposta no trabalho de prevenção é evitar que o assunto continue sendo tratado de forma segmentada. 

Inegáveis os prejuízos mais intensos causados por estes fenômenos devido ao mau planejamento urbano com o agravamento da crise climática em todo o planeta. A Nova Zelândia decidiu que não vai protelar mais: desenvolveu estudos e acaba de apresentar o seu Plano de Proteção Contra Desastres Climáticos. A medida visa preparar a população, instituições, conselhos e leis para impedir construções em áreas de risco, preservar tesouros culturais, melhorar as respostas a desastres, proteger o sistema financeiro dos choques de futuros desastres. 

O ministro do Clima da Nova Zelândia, James Shaw, afirmou que o seu país está mobilizado para reduzir as emissões dos gases poluentes, mas é crucial a preparação nacional para o enfrentamento da enorme perturbação climática. Por aqui, infelizmente, prevalece a falta de precaução. É mais comum colocar tranca na porta somente após o arrombamento.