MEMÓRIA DO JORNALISMO: O LEGADO DE RENATO SIMÕES

Cleidiana Ramos
05/11/2021 às 20:01
  Em 31 de janeiro de 1957, Renato Simões deixou o posto de advogado na Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras no Rio de Janeiro. Somando-se ao período em que trabalhou como auxiliar no mesmo departamento foram 11 anos na empresa. Ali, o direito ficou definitivamente para trás por conta do encontro com o jornalismo, área que o inspirou até a morte, ontem, aos 96 anos no Rio de Janeiro, por causas naturais.

A morte do pai, Ernesto Simões Filho, em 24 novembro de 1957, o levou a assumir a superintendência de A TARDE, cargo que desempenhou até 2012, quando passou à presidência do Conselho de Administração do grupo de comunicação e, em seguida, ao título de presidente de honra.

Como superintendente de A TARDE, Renato Simões continuou a dar atenção especial à modernização do parque gráfico da empresa, mantendo a tradição iniciada pelo pai e que fez de A TARDE o maior jornal das regiões Norte e Nordeste. Em seguidas entrevistas, ele destacava o desafio em que se viu envolvido ao assumir a superintendência da empresa.

Em uma das reportagens da edição que celebrou os 90 anos de A TARDE, Renato Simões contou como se sentiu desafiado após uma visita a Recife para conhecer as instalações do Jornal do Comércio. Durante o passeio pelo parque gráfico, ouviu do anfitrião que seu pai havia tido receio de ousar mais na modernização de A TARDE.

“Eu prometi para mim mesmo que em 10 anos passaria aquele jornal pernambucano”. Dito e feito. É verdade que, para tanto, contou com a colaboração de excelentes amigos, muito mais do que auxiliares, capitaneados pelo professor Jorge Calmon e, para não correr o risco de faltar com alguns nomes de relevo, citaria somente os já falecidos Arthur Couto, pai e filho, os quais dedicaram à empresa desvelo singular pelo sucesso d’A TARDE” (A TARDE, 15/10/2002, p.5).

Em viagem aos Estados Unidos, o então superintendente adquiriu a primeira impressora off set para o jornal. Segundo o seu depoimento, no mesmo texto, ele percebeu que o equipamento não caberia nas instalações da então sede na Praça Castro Alves, o que iniciou outro dos desafios da sua administração: a construção de uma nova sede no Caminho das Árvores, então um local onde havia apenas a rodoviária e o atual Shopping da Bahia. A mudança para este que é o atual endereço do Grupo A TARDE só ocorreu na década de 1970.

Desafios

Renato Simões foi o segundo filho do casal Ernesto Simões Filho e Helena Victoria Cerne Simões. A primeira era Regina Simões de Mello Leitão e a caçula Vera Simões Bainville. Viver desafios surgidos a partir da dedicação de Simões Filho ao jornalismo e à política passou a ser uma situação corriqueira para a família.

Em 1931, por exemplo, a edição do dia 12 de dezembro de A TARDE trouxe, em uma foto-legenda- termo para imagem acompanhada de um pequeno texto explicativo- Renato Simões e a irmã Vera Simões abraçados pelo pai. Eles estão rodeados por alunos do Instituto Luso Brasileiro.

A informação inicial do texto é uma pista da angústia vivida por Ernesto Simões Filho e sua família desde o ano anterior. Com a Bahia sob intervenção federal no primeiro governo de Getúlio Vargas, ao qual fazia oposição, o fundador de A TARDE já havia experimentado o exílio devido ao risco de prisão. Um ano antes, no episódio conhecido como Quebra Bondes, a sede do jornal havia sido depredada. Em 1932, Simões Filho voltaria a sair do país.

“De volta do exilio, onde amargurou dias cruéis, em que avultaram saudades da Pátria, o dr. Simões Filho tem sido cercado de carinhosas homenagens por parte de seus conterrâneos”. (A TARDE, 12/12/1931, p. 2).

A dedicação à administração, à prática jornalística, ou uma combinação das duas, era uma característica de Simões Filho compartilhada pelos três filhos. Com a sua morte, Regina Simões de Mello Leitão passou a presidir a empresa com Renato Simões na superintendência e Vera Simões Bainville escrevendo colunas especializadas.

De 1965 a 1966, Renato Simões teve uma experiência na gestão pública quando assumiu a presidência da Comissão de Planejamento Econômico do Estado da Bahia. Foi neste período que ocorreu a implantação do Centro Industrial de Aratu.

“Declarando “jamais haver assinado, antes, um ato tão convencido de que a mocidade, inteligência e férrea vontade do nomeado irá dinamizar um importante órgão do Governo, em prol do progresso da Bahia”, o Governador Lomanto Júnior empossou, às 10 horas de hoje, em solenidade realizada no Palácio Rio Branco, o Dr. Renato Simões na presidência da Comissão de Planejamento Econômico do Estado”. (A TARDE, 12/02/1965, p.3).

Escrita

Após esta passagem pelo governo, Renato Simões voltou-se para as atividades em A TARDE. Além da gestão, passou a escrever. Seus textos na primeira página tornaram-se uma das marcas do jornal. Neles comentava desde os mais importantes acontecimentos políticos e econômicos do país até as suas observações do cotidiano.

As organizações de defesa da prática jornalística, especialmente a liberdade de expressão, foram outras das paixões de Renato Simões. Eleito diretor da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), em 1998, também participou ativamente das atividades da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).

Falava com entusiasmo da posse como membro do Pen Clube do Brasil, que ocorreu em 1999. A entidade foi fundada pelo inglês Bernard Shaw. Dizia que a atividade jornalística havia alcançado um patamar de destaque e que a leitura era fundamental para este ofício, especialmente a das obras clássicas. Fundado em 1936, no Rio de Janeiro, o Pen Clube do Brasil está vinculado ao Pen Club internacional e defende valores humanistas.

“Meu pai foi advogado de formação, mas desde cedo abandonou esse caminho para cuidar e se dedicar ao jornal. Ele se considerava antes de tudo um jornalista", diz Renato Simões Filho. Casado com Norma Rocha Simões, Renato Simões era também pai de Yolanda Simões Atherino, tinha quatro netos e dois bisnetos.

A dedicação à escrita também o levou à experimentação no ambiente da literatura ficcional. Aos 90 anos lançou vamo’ simbora, o terceiro da sua produção em ficção iniciada em 2004 com Crônicas d’aqui e d’além, onde aparecem personagens que vagam por túmulos e uma minuciosa descrição de Paris. Em 2007 foi a vez de Anônimos.

Superintendente de A TARDE no período de 1957 a 2012, assumiu a presidência do Conselho de Administração do grupo de comunicação após a morte da irmã, Regina Simões de Mello Leitão. Quando deixou as funções administrativas recebeu o título de presidente de honra do grupo.

Na sua trajetória à frente de A TARDE, gostava sempre de frisar a sua paixão pela modernização da empresa, a dedicação às ações em defesa da liberdade de imprensa e a admiração pelo pai, Ernesto Simões Filho.

Em depoimento para o livro Memórias da Bahia - Palestras, organizado pelo Museu Eugênio Teixeira Leal, lembrou de como o pai, então ministro da Educação, encontrou uma saída ao se confundir com as páginas do discurso que havia preparado para uma solenidade em Porto Alegre. De improviso, Simões Filho passou a enumerar os estados brasileiros, de Norte para o Sul, destacando as características de cada um até saudar os gaúchos e o Rio Grande do Sul. “Foi indescritível o entusiasmo que se apossou da assembleia”.