A BOMBA, O OCEANOZINHO DE ENCONTROS E AMORES, por LUIZ MÁRIO NOGUEIRA

Luis Mário Nogueira
04/06/2021 às 17:23
   Um veio d'água desnudado não se sabe "donde", reluzia primeiro aos olhos das crianças na baixada da Bela Vista de meus tios Samuel e Miguel Nogueira, o córrego de saltitantes voadoras piabas em devoção à época de trovoadas e bateres do fiasco da luz do sol meio escondido e atrapalhado por nuvens carregadas de um cinza beirando a escuridão.
 
     Acorriam pés descalços de todos os cantos da pequena Serrinha, ávidos diante do prateado brilho de pequenos peixes, filhos D' Oxum, à procura de buracos mais profundos e de um paradeiro sem riscos e com o conforto de arejos e ventilares menos sufocantes. Milhares se debatiam, enriqueciam panelas de barro; festa para os pescadores. À frente, o mundão baldeado de águas sem rumo inté surrar, zurzir na barragem de terra meio avermelhada roçando o sangradouro. Às vistas, um finito mar de acolhimento e fortuna.
 
    À medida em que enchia e beijava a borda de casinholas sem cores e humildemente habitadas, o refresco de ânimo grudava a alegria e o penhor de riqueza. A Bomba, "oceanozinho" de encontros, de piscadelas, de lascívia e volúpia, acolhia, também, ais e gozos, fantasia do terno carnaval de ledice, gáudio, regalo, exultação nas contas de terço rezado sem promessas de amoranças. Não havia denúncia; só olhares de tesão e inveja.
  
    Quando cheio, o sulco de água invadia a Rocinha; os juazeiros floriam, o mato verde-cré alumiado por uma lua em namoro penteava os cabelos da Rainha das águas doces, pousada Oxum de espelho que realçava debochados raios dos trilhos esteados em glória e bonança para o dulcíssimo e choroso apito do trem.
                        Saudade
  Luiz Mário Montenegro Nogueira
              Bahia, junho 2, 2021