Sem querer comparar o incomparável, no final dos anos 70, os moradores do Maciel-Pelourinho viviam tempos bastante bicudos. Normalmente, fora do Centro Histórico de Salvador, precisavam negar o seu lugar de origem, para que não fossem mal vistos, mal interpretados e discriminados, pelo fato de residirem na chamada, “parte proibida da cidade”. Essa discriminação ocorria o ano inteiro e tinha reflexos no carnaval, pois, estes moradores, se identificados como tal, eram proibidos de adquirir os carnês que viabilizavam a compra das fantasias (em sua grande maioria, mortalhas).
Esse “barramento” social levou um grupo formado por sete jovens negros do Pelourinho -, Carlos Alberto Conceição Nascimento, - Carlinhos (primeiro presidente do grupo), Geraldo Miranda - Geraldão, José Luiz Souza Máximo, José Carlos Conceição Nascimento - Nego, Antônio Jorge Souza Almeida, Edson Santos da Cruz e Francisco Carlos Souza Almeida, a se unirem para criar um bloco de carnaval que permitisse aos moradores do “Mangue”, - como era chamado o Maciel-Pelourinho -, brincar o carnaval de maneira organizada, como qualquer outro cidadão, ou cidadã da velha capital.
Foi assim, que em 25 de abril de 1979 nasceu o Bloco Afro Olodum, revolucionando e inaugurando, em 1980, o desfile nas noites de sexta-feira de carnaval, embalado por uma composição de Eron Angola, que bem refletia a novidade.
“Quando eu estiver passando
Eu quero amor e alegria
Pegue sua fantasia
E venha conosco brincar....
Olodum na sexta-feira
Olodum na sexta-feira
Olodum na sexta-feira
De carnaval”.
Em 1983, depois de não ter desfilado no carnaval, o bloco se reinventou. Passou a propagar um discurso de inconformismo com relação ao racismo e pautou as suas ações na defesa dos afro-baianos e da população do Pelourinho em especial. Nesta época foi criado o projeto “Rufar dos Tambores”, voltado para dar aulas de percussão às crianças e adolescentes da comunidade. Esta idéia, mais tarde, se transformou no que hoje é a Escola Olodum, reconhecida internacionalmente.
Também neste período, o mestre Neguinho do Samba, que juntamente com João Jorge (eleito diretor de cultura do Olodum) se desligou do Ilê Aiyê, começou a criar o ritmo do samba-reggae, que em 1987, formando um par perfeito, ou na linguagem das doceiras, um “bem-casado” com a música Faraó, de Luciano Gomes, revolucionou a música baiana. E hoje, 32 anos depois, Faraó ainda é uma das músicas mais tocadas no carnaval de Salvador. Sendo que em 2017, os leitores do Jornal Correio da Bahia, a elegeu como um das três melhores do carnaval de todos os tempos.
Depois da música Faraó e de um esplendoroso desfile de carnaval, o Olodum foi só sucesso, em todos os aspectos: social, cultural, carnavalesco e musical. Grandes temas de carnavais e excelentes músicas foram se sucedendo ano a ano. Na sequência, em 1988, a Bahia e o Brasil cantaram “Aê, Madagascar Olodum/Aê eu sou o arco-íris de Madagascar” e, com o tema Madagascar e a música de Rey Zulu, o Olodum se consagrou com uma das principais agremiações do carnaval de Salvador e, dois anos depois, em 1990, o Jornal Correio da Bahia, estampou como matéria de capa, a manchete, “Lampião está vingado!”. Em seu texto, o jornalista Miguel Lucena, fazia referência tanto ao tema do bloco (Do Deserto do Saara ao Nordeste brasileiro) e, também à beleza das fantasias, à performance da Banda Olodum e à música”Revolta Olodum”, de José Olissan e Domingos Sérgio, que fez com que, diferentes artistas e a cidade inteira cantassem:
“Ô Corisco, Maria Bonita mandou te chamar
Ô Corisco, Maria Bonita mandou te chamar
É o vingador de Lampião
É o vingador de Lampião!”
A Bahia, o Brasil e o mundo, não necessariamente nesta ordem, reconheceram e se renderam ao samba-reggae e ao Olodum. Paul Simon, Jimmy Cliffy e Michael jackson foram algumas das grandes estrelas que se encantaram por, e gravaram com o Olodum.
O discurso político, o comprometimento social e a musicalidade inconfundível do Olodum fizeram com que o grupo saísse do gueto (sem tê-lo evidentemente o abandonado) e conquistasse o Brasil e o mundo. São 41 países visitados, gravação de comercial para grandes marcas no Brasil e fora dele, shows em aberturas de Copas do Mundo, em Olimpíada e 38 obras gravadas, entre LPs, Cds e DVDs, sendo que oito deles, lançados no exterior, um, gravado ao vivo no super concorrido Festival de Jazz de Montreux, o mais importante festival de música da Suíça e um dos mais importantes do mundo.
A militância política antirracista do Olodum gerou o Capítulo do Negro (Cap. XXIII, Artigos 286 a 290) na Constituição do Estado da Bahia, inserido por meio de uma emenda de iniciativa popular, cuja campanha de coleta de assinatura foi coordenada pela Unegro, Olodum e APLB – Sindicato dos Professores do Estado da Bahia.
A expertise sócio-educativa e pedagogia da Escola Olodum têm sido replicadas em diferentes Estados brasileiros e fora do Brasil. Rio e Janeiro, Aracaju, Brasília, São Paulo, Santos – SP., São José – SC., além de México, Moçambique e Benin, para citar alguns exemplos.
Muitos anos se passaram e eis que, como em se fosse por um passe de mágica, estamos chegando aos 42 anos, nutrido pela experiência da ancestralidade africana e fortalecido pela firmeza de jovens homens e mulheres que estão ajudando a consolidar as ações do presente e a construir o futuro do Olodum, uma instituição que sabe como poucos, unir tradição e modernidade. Por um lado, a tradição é utilizada para fundamentar o discurso e traçar os rumos a serem seguidos, enquanto que a modernidade oferece as ferramentas para a propagação do discurso e o alcance do alvo desejado.
Exatamente por saber conjugar esses dois fatores é que o Olodum não parou para se lastimar pelos danos causados pela pandemia que assola a humanidade e que feriu cruelmente os fazedores de cultura. Ao invés disso, nos apropriamos das ferramentas da moderna tecnologia, para, por meio delas, continuar aprendendo e ensinando antigas lições, por meio dos cursos EADs oferecidos pela Escola Olodum, pela realização dos “Diálogos Contemporâneos” em formato de lives e das realizações dos shows virtuais, para com tudo isso, podemos mostrar que continuamos vivos, sendo ouvidos e lembrados, para assim, chegar aos 42 anos tocando no mesmo assunto.
Fraternidade, igualdade, liberdade, por que o negro quer o universo cheio de felicidade!
Então é por tudo isso que merecemos comemorar esses 42 anos com muita força e pudor. “Comemorar”, na verdadeira acepção do termo, que é, manter viva na memória.
E lá vamos nós.