Walmir Rosário
22/03/2021 às 14:23
Com os primeiros sinais da redemocratização do país, ainda no ano de 1984, os movimentos políticos e sociais começaram a colocar o povo nas ruas. No Sul da Bahia não foi diferente e os funcionários públicos municipais deram a partida. Na Ceplac, instituição conhecida pela eficiência dos seus quadros e hierarquia, o movimento surpreendeu muita gente – de dentro e de fora –, que não acreditava no que via: era o movimento sindical já instalado, com as bênçãos e a capacitação do Partido dos Trabalhadores (PT).
Em Itabuna e Ilhéus, as duas maiores cidades da região, as caminhadas e manifestações percorriam as ruas, tomavam as praças demonstrando as reivindicações e a necessidade de mudanças, sobretudo na relação patrão x trabalhador. Tímida no início, aos poucos as fileiras do recém-criado Conselho das Entidades Representativas dos Funcionários da Ceplac foram sendo engrossada com a adesão dos funcionários mais graduados, na sua grande maioria pessoas que não militavam na política partidária.
E não demorou a recrudescer o relacionamento entre a direção e os funcionários em geral, cujo tratamento era o de “colega”. De pronto, os veículos de comunicação foram acionados para desestruturar o movimento, tido e havido como baderneiros comandados por alguns poucos incendiários. Mas não resistiu e, aos poucos, os o Conselho das Entidades foi ganhando a “guerra da comunicação”, haja vista o crescimento da representação sindical.
Como era de se esperar, a primeira greve na Ceplac era inevitável e foi aprovada em uma monumental assembleia. Nesse período que antecedeu a primeira greve (que fez história na região), era grande a movimentação de pessoas ligadas aos ainda considerados partidos de esquerda: PT, que obtinha o comando quase que total; o PCdoB, em menor escala; PCB, com alguns “gatos pingados”; e até do PMDB, estes nem tão bem-vistos pelos petistas, mas aceitos diante das circunstâncias.
Às 4 da madrugada os líderes do movimento saem de Ilhéus e Itabuna e se encontram no local previamente combinado – o ponto de ônibus em frente à fazenda Primavera, vizinha à sede regional. Lá, após a visita de reconhecimento aos portões de entrada da sede da Ceplac, combinam a invasão e o fechamento do órgão – considerado um avanço para os sindicalistas e um sacrilégio para os dirigentes e os funcionários que ainda não viam com bons olhos o Conselho das Entidades.
Sem encontrar qualquer resistência, assumem a portaria da Ceplac, colocam as faixas, fecham as passagens. Ninguém entrava ou saia se não obtivessem a permissão dos novos mandatários: os piqueteiros. Um pouco mais tarde chegam alguns policiais federais disfarçados de jornalistas, fazem fotos e vídeo dos grevistas, com direito a pose e tudo mais e vão embora. Em seguida chega a Polícia Militar, que conversa com os líderes do movimento e acertam a entrada dos dirigentes e do pessoal de serviços considerados essenciais, a exemplo do tratamento de animais e plantas pesquisadas.
O primeiro entrevero registrado foi entre o radialista e professor Odilon Pinto, que à época apresentava o programa radiofônico da Ceplac “De Fazenda em Fazenda”, que ao deixar a Rádio Jornal – junto com o sonoplasta Renan Brandão – e voltar para o estúdio na Divisão de Comunicação (Dicom) para gravar os quadros do programa do dia seguinte, foram impedidos de entrar. Militante do PCdoB durante os “anos de chumbo”, Odilon tinha outro projeto que não a volta à política, muito menos a sindical, e resolveu desobedecer as ordens dos líderes do Conselho das Entidades.
Sem esboçar qualquer reação de violência ou de contra-ataque ao piquete formado pelos sindicalistas, Odilon Pinto continuou na sua intenção de furar o bloqueio sem se incomodar com o cerco feito a eles. Para conter o ímpeto do radialista, os piqueteiros – já devidamente instruídos para uma reação desse tipo – jogaram uma bandeira do Brasil ao chão, justamente no caminho que Odilon pretendia seguir.
Como uma esfinge – que pouco se manifesta e de quem não se sabe o que pensa ou sente e qual a reação – Odilon continuou o seu caminho, deu dois passos apenas, ultrapassou a bandeira jogada no chão e continuou sua caminhada para o trabalho. Por certo, naquele momento deve ter passado por sua mente toda sua luta contra o regime militar, o que lhe custou mudanças de endereço, prisões e torturas.
E esse terrorismo praticado contra Odilon Pinto – e Renan Brandão –, que passou a ser chamado pelo Conselho das Entidades – leia-se Geraldo Simões e sua turma – de “Pisa na Bandeira”.
A prática continuou a ser feita também contra outros ceplaqueanos que ousassem a não se submeter aos caprichos do grupo. E esse método perdurou até que o grupo de Geraldo Simões assumiu a direção da Ceplac, quando passou a cometer as mesmas injustiças das direções passadas. Sem a moral de antes, tudo voltou ao normal.
E o movimento perdurou por vários dias sem que se chegasse a uma negociação conforme o interesse de ambos os lados. Se para os piqueteiros a greve representava trabalho dobrado, para outros funcionários era o paraíso, pela oportunidade de frequentar as praias nos dias destinados ao serviço, pelas viagens antes programadas e que nunca podiam ser feitas. E tudo continuou como se nada tivesse acontecido.
Enfim, esse é preço que se paga em qualquer movimento de ordem política, seja para atender o social ou não.