Alfredo Venet Lima
24/11/2020 às 16:43
Todos os movimentos com objetivos claros e definidos carregam, no seu âmago, a história da humanidade. Nada existe, sem que o tempo determine as suas origens, delas extraímos motivos, razões, causas e consequências.
Assistimos, contemporaneamente, movimentos de indignação contra a discriminação racial – na verdade, estamos todos saturados com a arrogância, a insensatez, a injustiça e a irresponsabilidade civil.
As manifestações nas ruas, as falas, os discursos, as lives, os editoriais, em meio a um clima de incerteza e medo, nesse cenário sombrio de pandemia, acirra a nossa falta de rumo e definições. Por que insistem em descontar as nossas fraquezas políticas e as nossas péssimas escolhas, a nossa infelicidade, na cor da pele de alguém?
Somos todos seres humanos, somos todos pessoas, somos todos vidas. A cor da pele é apenas um detalhe.Mas não suportamos a nossa fraqueza, as nossas mentiras o nosso faz-de-conta.Temos que achar um culpado!
Elegemos o “protagonista” (ou antagonista?) pelo critério que desestabilize mais rapidamente a vítima - a humilhação, os maus tratos,a desconsideração, a desvalorização.Ressuscitamos, então, o preconceito racial que, aliás,nunca tinha morrido.
Os casos de agressões torpes e bárbaras vão pipocando em cada canto do país, com requinte de crueldade, à moda do que já havia acontecido, recentemente, nos Estados Unidos. Em geral, as vítimas são caladas por asfixia, elas não podem e nem devem falar.
Entretanto, descobrimos, e identificamos, em meio aos legítimos defensores das minorias, misturados à juventude ruidosa e ávida por liberdade e igualdade e aos verdadeiros democratas, os oportunistas, os que pregam o politicamente correto, os supostos indignados, os intelectuais de ocasião que formam um verdadeiro contingente de novos humanistas... Cuidado, eles estão apenas envergonhados!
A discriminação, no Brasil, é consolidada, não é velada, é clara, patente e escancarada. Os que hoje dão os braços aos negros, sempre foram os mesmos que os discriminaram de todas as formas. São os mesmos que defendem o uso dos elevadores de serviço para os empregados; os mesmos que, na calada da noite, furtivamente, ainda tentam estuprar a jovem negra que, pela manhã, lhe servirá a mesa.
Esses envergonhados que se gabavam dessas proezas, são, hoje, os politicamente corretos, donatários de vidas e almas, violadores de direitos, alcunhadores das empregadas domésticas, adjetivando-as de chofer de fogão, graxeiras e de outras expressões de cunho igualmente humilhante e chulo.
Os negros não devem permitir no protagonismo de suas lutas aos aproveitadores de momentos; não podem permitir que corporações se aproveitem deste movimento para precificar produtos de uso específico dos negros. Isso, também, é uma forma de discriminar, uma vez que se utilizam desse ambiente de discussão para inserir produtos, projetos políticos, quase sempre espúrios, votos e tudo mais que uma sociedade patrimonialista e mesquinha usa pelos meios sub-reptícios de alcançar os seus objetivos.
Neste país, a maioria negra é protegida pela Constituição Federal, mas, na prática, é destituída dos postulados básicos de vida, como moradia decente, saneamento básico, saúde, educação e outros elementos essenciais de vida dentro de um contexto coletivo e individual.
Não fossem só estes aspectos, negros e pobres não negros são discriminados pelo posicionamento social, pela ausência da conta bancária, pelo bairro em que vivem e até pelas roupas que vestem. São submetidos ao estado de invisibilidade, apatia social e estigmatização pela ausência dos “predicados” pelos quais são avaliados.
Nestes tempos sombrios, urge a necessidade dos detratados combaterem o bom combate, através de seus próprios valores, buscando o seu pertencimento, sem desagregação social ou recrudescimento dos relacionamentos, porém com altivez, protagonizando esta luta e, acima de tudo identificando os envergonhados ávidos por se apropriarem deste estado de indignação.
A desigualdade social propicia o descaso, oportuniza a banalização, alimenta a possibilidade real de que a juventude de baixa renda seja recrutada pelo crime organizado, superlotando os estabelecimentos prisionais e alimentando, a cada dia, o ambiente hostil e divisionista que permeia o país.