PANDEMIA: O LADO PERVERSO DA OCULTAÇÃO DE MORTES

Samuelita Santana
14/06/2020 às 19:42
Na calada da noite da última quarta-feira, 4, o Ministério da Saúde retirou do ar o portal de divulgação dos dados da Covid-19 e, ao retornar, quase 20 horas depois, apresentava apenas informações sobre novos casos registrados no dia. Sumiram do portal os números consolidados e o histórico desde o início da pandemia, assim como os links para downloads, utilizados por pesquisadores, jornalistas e outros sites de acompanhamento e monitoramento da doença, que se alimentavam dos dados do portal. 

Já na última sexta-feira, 5, o MS deixou de divulgar os números totais de casos de mortes pelo Covid-19, mudando a metodologia na contagem e divulgação de infectados e mortos, omitindo o acumulado de casos e detalhamento por Estados. No domingo, o MS divulgou números divergentes dos estragos da pandemia. Inicialmente informou 1.382 mortes e 12.581 novos casos registrados nas últimas 24 horas, mas pouco depois recuou, mudou a informação, reduzindo os números de óbitos para 524 e ampliando o de novos diagnósticos positivos para 18.912.

A pergunta é: Porque? Numa pandemia que já matou mais de 37 mil brasileiros e atingiu o alarmante número de quase 700 mil infectados é "normal", ou possível, um governo seja lá de que espécie for, tentar passar uma borrachinha para apagar, manipular, maquiar, tornar invisível, varrer para o lado oculto dos gráficos o número exato de seus mortos? 

A transparência de informação em qualquer gestão pública é Lei! Se é Lei, como assim um órgão ministerial, essencial para a segurança da vida das pessoas, cria um universo paralelo de informações que não correspondem à realidade dos verdadeiros fatos e dados? Dados, diga-se de passagem, importantíssimos para o acompanhamento das tendências, da evolução do vírus nas regiões, do monitoramento, do estado de alerta e da salvaguarda de milhões de brasileiros. Como assim? O absurdo dessa "ação" não apenas preocupa. Estarrece pela perversidade e alarga sobremaneira a total falta de credibilidade do governo Bolsonaro.

Vale registrar que essa medida do governo veio logo após o mundo se assombrar com a constatação de que no Brasil estaria ocorrendo uma morte por minuto pela doença. Número absolutamente cruel de vidas perdidas, principalmente quando se sabe que muitas delas poderiam ter sido salvas, caso a pandemia tivesse sido tratada com responsabilidade, eficiência e compaixão pelo presidente da República. Desde o início Bolsonaro adotou postura negacionista, ridicularizou a gravidade da doença e tratou a Covid como uma "gripezinha besta", que só ataca velhinhos doentes.

 "E daí? Todo mundo vai morrer um dia!" E nesse viés de negar o óbvio, o grave, o risco e a dor de muitos, o presidente seguiu implacável no seu afã de abrir as cancelas do isolamento em nome da economia, incentivando aglomerações, reduzindo o risco da doença no Brasil, estimulando a volta da população às ruas, à vida normal e empoderando o brasileiro como uma espécie de super-herói sanitário, impregnado de anticorpos, capaz de "derrubar" tudo, se lambuzar nos esgotos da vida e sair forte e ileso pra enfrenta qualquer "viruszinho de m...."

O "clássico" Rui Costa & ACM Neto

Sem abandonar um centímetro sua retórica bélica-infantil, o presidente demitiu ministros que faziam a coisa certa, deixou a pasta da Saúde acéfala, dispensou eficientes técnicos de carreira e lotou o ministério de militares sem expertise para os cargos, a começar pelo interino Eduardo Pazuello que agora conduz a crise. Só que a crônica das mortes anunciadas continua sendo comprovada de forma alarmante e agora, com "medinho" das consequências (parafraseando o próprio), Bolsonaro tenta se eximir de culpas adotando a narrativa de que a responsabilidade das mortes é dos governadores autorizados pelo STF a tomarem as medidas de restrições, extremamente necessárias para mitigar os efeitos letais da pandemia. Que medida providencial do STF! O estrago poderia ser pior.

 Poderíamos agora estar amargando números ainda mais impressionantes. Os governadores e prefeitos, em sua maioria, fizeram o que tinha que ser feito apesar das dificuldades, das falas antagônicas do Presidente da República e da sua total falta de colaboração para manter em níveis ideais o isolamento social, salvando ainda mais vidas. Justamente o ente que deveria distribuir os tons, afinar os instrumentos e orquestrar essa música - o governo federal -, negou-se através da figura do presidente a reger a sinfonia de enfrentamento ostensivo ao coronavírus, colocando em risco a vida de toda a população brasileira. 

Nem mesmo atitudes emblemáticas como a dos gestores da Bahia, governador Rui Costa e prefeito de Salvador ACM Neto, inspiraram ou serviram de exemplo ao presidente Bolsonaro. Históricos adversários políticos, os dois governantes abandonaram suas diferenças ideológicas e se uniram para somar esforços, ações e estratégias de combate à pandemia com o propósito de proteger a população e salvar vidas. Um clássico que, seguramente, os baianos não vão esquecer nunca mais e que na hora de suas escolhas cravará toda a diferença . 

Ao dificultar, restringir o acesso aos dados reais da evolução da pandemia e esconder o número de mortos no Brasil, Bolsonaro desperta indignação aqui e lá fora. A imprensa internacional repercutiu em seus maiores veículos abrindo o megafone global para as críticas contra o presidente e sua gestão, classificando a medida de censura e de totalitarismo. A Organização Mundial de Saúde- OMS pediu transparência ao Brasil, alertando que a pandemia está longe de acabar.

 Entidades médicas, científicas e jurídicas se posicionaram e emitiram comunicados contra a nova metodologia de informação do MS. Os presidentes do Congresso Nacional dispararam críticas contundentes: Rodrigo Maia, presidente da Câmara de Deputados, lembrou que brincar com a morte é perverso e que um ministério que tortura números cria um mundo paralelo para não enfrentar a realidade dos fatos. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, na percepção de que não confia mais nos números do governo, avisou que a partir de agora a Comissão Mista Especial de Acompanhamento do Coronavírus vai trabalhar diretamente com dados estatísticos fornecidos pelos estados.

Órgãos de imprensa, numa prova de que não ficarão rendidos aos números maquiados do governo, anunciaram nesta segunda-feira, 8, uma parceria inédita com os principais veículos de comunicação para dar transparência aos dados da Covid-19. A partir de agora, o Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, UOL, Extra, G1 e o Globo vão trabalhar de forma colaborativa buscando e compartilhando informações sobre a pandemia coletadas diretamente nos 26 estados e no Distrito Federal. O balanço diário será fechado sempre às 20 horas. 

*O que resta então ao presidente Jair Bolsonaro? Citar o que tá escrito na Bíblia, no Livro de Jó, capítulo 3, versículo 25: "Aquilo que eu mais temia, me aconteceu" : O isolamento social.