Walmir Rosário
22/04/2020 às 11:29
Quase que diariamente recebo fotos e textos explicativos e comparativos sobre a evolução do município de Ilhéus, algumas vezes de Itabuna. O vasto material – iconográfico, assim podemos chamar – faz parte do acervo de bibliotecas particulares de ilheenses ou instituições baianas traçam um perfeito Raio X de como as aglomerações e cidades eram planejadas, privilegiando a arquitetura, a estética o conforto e a segurança.
Quando comparadas com as atuais, podemos perceber claramente um choque entre o esmero de antes e a pobreza conceitual de agora, causada, quem sabe, pela falta de planejamento do poder público. É certo que tínhamos nossos vergonhosos cortiços, nos variados graus de miséria, sem as mínimas condições de higiene e habitabilidade, que ainda teimam em ficar, embora em menor escala.
Quando recebo esse material enviado pelo fotógrafo e vice-prefeito de Ilhéus, José Nazal, vibro com a história e o pioneirismo do que com muito sacrifício conseguiram implantar nossas cidades, com as construções de acordo com as características dos diferentes locais. Entretanto, não encontro o mesmo entusiasmo ao ver o avanço das aglomerações, que não obedecem qualquer padrão técnico ou paisagístico.
Não consigo compreender os discursos dos políticos, notadamente os ocupantes de mandatos no poder executivo, que torcem loas às administrações [suas, é claro] comemorando o crescimento de tal bairro e tal cidade. Faço esforço em acreditar na honestidade do discurso em desprezar a palavra desenvolvimento, quem sabe por total desconhecimento do que o vocábulo significa.
Analisando essa desconformidade crescente nas aglomerações, hoje chamadas generosamente de comunidade, sinto ter nascido na última geração de gente feliz, mesmo com todas as diferenças sociais da época. Basta lermos ou ouvirmos os “causos” de Jessier Quirino, para confirmarmos nossa felicidade nos bons tempos passados que não voltam mais.
Não nos incomodávamos com as pequenas doenças ou surtos que apareciam corriqueiramente em nosso corpo, a exemplo dos piolhos na cabeça, das impinges que apareciam e ficavam à mostra no corpo, chamadas popularmente de “ziquizira”. Era um prato cheio para as gozações no recreio da escola, no jogos de gude ou nos campinhos de futebol. E ninguém morria por isso, no máximo um xingamento da mãe e três tapas trocados.
Como não sabíamos o que significava “bullying”, essa santa ignorância nos livrava de outros males maiores e que necessitavam do auxílio dos profissionais da psicologia, psiquiatria e outros mimos que conhecíamos pelos livros. Também não existia o politicamente correto. Nos contentávamos em sentar para ouvir os programas de rádio do Rio de Janeiro e saímos em carreira para mostrar nosso conhecimento dos grandes clubes de futebol, após ouvirmos atentamente a resenha.
Ninguém se incomodava em ver os programas de televisão na casa de um vizinho, com uma enorme plateia sentada no chão da sala – os privilegiados e os mais apressados – ou olhando pelos ombros dos que se acomodavam na janela. Os chuviscos na tela faziam parte do espetáculo, bem como os mais espertos eram bem-vistos quando se ofereciam para regular a antena lá nas alturas.
Hoje, nossos objetos de desejo passaram a ser os aparelhos celulares no lançamento, que trocamos a cada seis meses, em perfeito estado, por outro ainda em pré-lançamento. Não colocamos nossos pés na lama dos campinhos de futebol, pois estamos jogando nos poderosos notebooks e a qualquer leve mudança de temperatura corremos em busca dos médicos especialistas e suas dezenas de exames.
Saudosismos à parte, prefiro os tempos em que desejávamos uma rua calçada a paralelepípedos mas não pensávamos duas vezes em tirar os sapatos para atravessar um trecho de lama. Não recebíamos merenda na escola e às vezes não trazíamos de casa, mas não dispensávamos o “baba” com uma bola de pano no recreio e chegávamos em casa sãos e salvos.
Nos tempos atuais posso assegurar que muitos de nós teria saudade de doenças como catapora, sarampo e caxumba do que conviver com as gripes virulentas importadas de outros países, que não apenas “fabricam” catarro como antigamente. Não, os vírus são exigentes e levam à morte, principalmente se o coitado já estiver acometida de doenças outras como diabetes, cardiopatias, hipertensão.
Naquela época não existia o Sistema Único de Saúde, o famigerado SUS que abarrota de dinheiro os sacos sem fundo que se transformaram os governos estaduais e municipais de todo o Brasil. Ainda hoje muitos ainda desconheciam o SUS, destinado a atender de qualquer jeito os mais pobres, e que muitos políticos os conhecem – o SUS e os pobres – apenas por ouvir dizer.
Lembro de um ditado antigo que asseverava: “Pela entrada da cidade eu conheço o prefeito”, numa alusão aos que sabiam cuidar da comunidade, da sua gente. É triste, porém comum, que muitos políticos e servidores públicos sequer conheçam essas comunidades, simplesmente chamadas de invasão e que aparecem com frequência nas fotografias de José Nazal.
Que nossos governantes aprendam a planejar e modificar a paisagem da cidade, como mostram as fotos, com os requisitos mínimos de habitabilidade e conforto para os que realmente merecem: os que pagam seus impostos. Quem sabe a pandemia e o distanciamento social presencial seja uma importante ferramenta para podermos aprender como nos comportar como eleitor. E com o apoio das redes sociais, para a felicidade das novas gerações.