AI-19: A estupidez de um Ato Isolado em Brasília

Samuelita Santana
20/04/2020 às 11:43
Que é um momento único e nunca visto na história recente do planeta já sabemos. A Covid-19, doença causada pelo novo Coronavírus, invadiu mais de 180 países, infectou 2,3 milhões de pessoas e matou mais de 160 mil, em apenas 4 meses. 

No Brasil, até esse domingo já eram 38.654 casos confirmados da doença e 2.462 mortes. A taxa de letalidade por aqui está em 6,4%. A OMS adverte, porém, que o novo vírus é dez vezes mais letal que a temida H1N1, pandemia conhecida como gripe suína que em 2009 assombrou mais de 120 países, deixando 18.500 mortos em 16 meses.

Mas estamos falando aqui de números oficiais da Covid-19, aqueles redondinhos, que não incluíram e nem sabemos se incluirão as estatísticas reais de infecções e mortes. Como não há testagem em massa, também não há como dimensionar o real estrago que o novo vírus vem causando na humanidade. Os especialistas alertam sobre a falta de diagnósticos efetivos e acreditam que só 8% das infecções, no Brasil, estariam sendo detectadas. O que apavora. 

Os números oficiais não sinalizam a realidade que poderá entrar em cena nas próximas semanas. Estados como Ceará, Manaus e São Paulo já começam a enfrentar o pior: a falta de leitos e de equipamentos de proteção individual (EPis), recursos essenciais para os doentes que precisam ser atendidos e profissionais de saúde que estão no front da pandemia. 

O drama de pessoas desesperadas em busca de atendimento nas unidades públicas de saúde por conta do novo vírus já virou lugar comum e começa a desdobrar-se em pedidos de socorro através de ações judiciais. A curva dos que se foram pela ferocidade do vírus continua com projeção ascendente, causando nos familiares o perplexo luto, a dor e o medo de que a pandemia avance contra eles próprios ou alcance outros entes queridos.

 As tragédias que vimos pela televisão assolando centenas de países começa a se materializar em cenas reais bem à nossa frente, acendendo o alerta vermelho que deixa claro a distância que ainda existe entre nós e os países que combateram o bom combate, atravessaram o caos e agora começam a soltar pequenos respiros de alívio com a queda dos números de infectados e mortos.

São os resultados conquistados a duras penas com medidas drásticas - tardias ou antecipadas - de  distanciamento social. É o caso da Itália que prepara com extrema cautela uma saída planejada da quarentena adotada nos dois últimos meses, dias extremamente doloridos e amargos pela morte de mais de 23 mil dos seus cidadãos. As mortes não pararam, mas vão diminuindo e abrindo a possibilidade de flebilização das regras do isolamento, como aconteceu em Wuhan, na China, berço da pandemia. Outros países cuja situação começa a dar sinais de controle também ensaiam um planejado retorno gradual das atividades, a exemplo da Coreia do Sul, Dinamarca, Alemanha, Noruega, Áustria, República Tcheca, Suiça, Irlanda e até a Espanha, país que chegou a registrar 950 mortes por dia. Prudentes, os líderes desses países avisam, entretanto, que a flexibilização pode ser revertida a depender da desaceleração dos casos e evolução do controle da pandemia.
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Mas a prudência, a sensatez e o senso de responsabilidade parecem não visitar o juízo de certos mandatários. O presidente dos EUA, Donald Trump, que inicialmente resistiu em reconhecer a gravidade da pandemia, recuou adotando medidas de restrições e agora recrudesce anunciando cartilha de flexibilização, incentivando governadores a abrirem as cancelas da quarentena, mesmo o país tendo se tornado o epicentro da pandemia, com 740 mil casos confirmados e mais de 40 mil mortes. Chegou a ter 4,5 mil mortes em apenas 24 horas. 

Em número de mortes diárias os EUA perderam apenas para o Irã que nesse domingo, 19, registrou a triste marca dos 5.118 mortes. Já são mais de 82 mil casos no país. E Trump ainda assim afirma sem aparentar muito pesar: "Nós continuamos a ver sinais positivos de que o pico do vírus já passou". Ah! com certeza se tivesse um espelho mágico Trump perguntaria vaidoso ao seu reflexo se haveria nesse reino global alguém mais desalmado que ele. 

Sim, sim sim! Diria convicto o espelho visionário, apontando para o mapa do Brasil e mostrando cenas  de um domingo que estarreceu o país. Num ato de total desprezo às milhares de mortes que comovem o planeta inteiro e devasta famílias, na contramão de líderes mundiais, cientistas, médicos e epidemiologistas  respeitados, ignorando por completo as recomendações da Organização Mundial da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro protagonizou uma das mais lamentáveis e patéticas cenas do seu conturbado governo. 

O Brasil e o mundo assistiram com perplexidade o presidente contrariar as instruções da ciência, da medicina, estimulando a aglomeração e a infração às medidas estabelecidas por autoridades sanitárias e governamentais para conter a propagação da Covid-19 através do distanciamento social.

Bolsonaro fez questão de participar de manifestação em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, aglomerada de seguidores seus que pediam o fim do isolamento social, medida recomendada pela OMS para proteger a vida das pessoas. 

O evento, que por si só já seria uma aberração, somou-se ao agravante de defender a intervenção militar, a volta do famigerado AI-5 - ato decretado no perído da ditadura militar  para cassar parlamentares, amordaçar a imprensa e perseguir opositores ao regime - além de outras insconstitucionalidades absurdas como o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Equilibando-se do alto de uma caminhonete, Bolsonaro discursou, tossiu, desafiou. " Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder. mais do que o direito, vocês têm obrigação de lutar pelo país de vocês. Contem com seu presidente para fazer o que for necessário". Ok, então tá. Vamos torcer para que  Bolsonaro e seus manifestantes não sejam de jeito nenhum acometidos por qualquer vírus AI-19. Que se mantenham bem vivos para ver a democracia brasileira prevalecer a despeito da estupidez praticada em "atos isolados" que, à essa altura, somam uns 19 e precisam ser estudados, vacinados e erradicados.