Tasso Franco
28/03/2019 às 10:57
Salvador completa 470 anos de fundação nesta sexta-feira, 29. Já disse aqui que os historiadores reunidos no IGHB, em 1949, decidiram desconhecer a história dos primórdios da cidade, as vilas do Caramuru e do Pereira Coutinho, toda a história da Capitania Hereditária da Bahia criada pelo Reino, em 1534, e optaram pela data de chegada a Baía de Todos os Santos, da Esquadra comandada por Thomé de Souza, nomeado governador geral do Brasil, formada por 5 naus e algo em torno de 1000 a 1200 homens. Não havia mulheres. Salvo engano teria havido apenas uma.
A tão falada miscigenação baiana começa em 1509 com Diogo Álvares, o Carmuru, o qual teve vários filhos com tupinambás e com o grupo de portugueses que veio com Pereira Coutinho, em 1536, e fundou a Vila Velha. A partir de 1549, intensificou essa miscigenação com os homens da frota de Thomé e as tupinambás. Imaginem vocês mais de mil homens com secura desde novembro de 1548 deparando-se com mulheres nuas no paraíso tropical.
Foi uma ocupação masculina formada por portugueses, genoveses, franceses e raros homens de cor (negros) e nas comemorações que são feitas em Salvador, como agora, os 'cabeças' pioneiros de construção da cidade são esquecidos. Pela ordem, são eles: o governador geral, Thomé de Souza; o mestre-de-obras (arquiteto) Luis Dias e o jesuita Manoel da Nóbrega.
A cidade não tem nenhum monumento dedicado a Luis Dias e os estudos sobre essa personalidade são raros. Sua missão foi das mais importantes: erguer a Fortaleza cujo projeto veio de Portugal com decisão tomada pelo rei Dom João III, em 1548. Não foi fácil. Com a tecnologia da época - foice, facão, paliçadas, machados e afins - erguer uma fortaleza com casas, câmara e cadeia, uma tarefa das mais árduas.
E o certo é que a missão foi ccumprida e o traçado dessa fortaleza ainda existe até hoje, a praça Municipal (hoje, Thomé de Souza) e as ruas transversais onde estão Ajuda, Capitães e outras. As portas Norte e Sul da fortaleza não existem mais. A cidade só começou a ser erguida em maio de 1549 e Thomé de Souza só desembarcou da nau capitânea NS da Conceição em 31 de março.
A primeira rua do Brasil de uma capital está lá, a Chile, que deveria se chamar com seu nome original, e não essa aberração em homenagem ao Chile. Na gestão do presidente Emmerson José, então à frente da Câmara de Vereadores, chegaram ao absurdo de comemorar o centenário de uma rua, a Chile, que tem 470 anos, hoje. Na Bahia, tudo é possível. A praça do Pelourinho se chama José de Alencar que foi um escravocrata. Absurdo dos absurdos. Mas, todo mundo consente.
Onde estão os órgãos de cultura do Estado e de Salvador que veem essas aberrações e nada fazem? Tocando tambor e fazendo festas.
Outro nome esquecido é o de Thomé de Souza. Há anos, o advogado Ademir Ismerim tenta trazer os restos mortais de Thomé para Salvador sepultado que está no interior de Portugal, Rates, em tumba abandonada. Portugal, também, não dá a menor atenção a Thomé e nem a Pedro Álvares Cabral, o descobridor do Brasil.
O queridinho de lá é Vasco da Gama. Tudo bem que a missão Cabral às Índias tenha sido um fracasso e a maioria das naus de sua esquadra afundou e os homens morreram. Mas, achou o Brasil. Por acaso, mas, real. E Portugal mamou nas tetas do Brasil por longos anos. Só não mamou mais porque a Inglaterra tomou boa parte do leite a partir de 1808 cobrando a proteção da familia real que fugia de Lisboa das tropas de Napoleão.
Um memorial para Thomé, em Salvador, seria valioso. A exemplo da Casa do Carnaval poderia ser até maior com a história dos primórdios da cidade. E tem muita coisa. Muitos documentos, plantas, gráficos, croquis, fotos, etc. E neste memorial poderiam resgatar a história dos tupinambás com as aldeias que existiam onde é, hoje, Salvador.
Catarina Paraguaçu que casou com Caramuru em Sait Malo tem até o documento do registro do seu casamento, na França. Esse livro poderia estar na Bahia. Essa certidão foi mostrada aos moradores de Salvador quando a cidade completou 450 anos, no governo Imbassahy, em 1999, e a curadora do Museu de Saint Malo, catedral de São Vicente, trouxe o livro debaixo do braço e expôs acá. Depois, levou de volta.
Lá, em Saint Malo, dizem que tem um cocar dá época de Catarina e registros do casamento da tupinambá na São Vicente church.
O que tem de Thomé, hoje, é uma estátua em frente a Câmara de Vereadores que chamam de monumento e a praça que era municipal passou a chamar-se Thomé de Souza.
Quanto a Manoel da Nóbrega também só existe um busto em frente a Igreja NS D'Ajuda, o primeiro templo religioso católico da cidade. Os jesuitas - foram 6 ao todo - tiveram papéis importantes nos primórdios da cidade inclusive com a construção de um Colégio, na Sé, extra-muros, embora, como todos sabem, destruiram a cultura religiosa tupinambá e impuseram a religião católica. A catedral da Sé (atual) é um templo jesuita. E o mais famoso jesuita da Colônia Brasis foi Antonio Vieira que assistiu a invasão holandesa de 1624 da sacristia da Sé Primacial, que as picaretas do progresso destruiram.
Poderia falar de outros personagens desse tempo inicial da cidade inclusive de Dom João III, totalmente esquecido, responsável por mandar erguer Salvador.