Fernando Conceição
11/08/2018 às 14:27
EM MANHATTAN, a Hudson Street sobe do sul em direção ao norte a partir da trifurcação conhecida por TriBeCa até a 11ª rua do lado oeste da ilha.
Quando seu último trecho, até a 13ª rua oeste, onde encontra a 9ª Avenida, vira em sentido contrário – norte a sul da ilha.
À Hudson Street, altura da West 14th Street, uma recém conhecida estudante da Somália, África, levou de tira colo este recém chegado estudante brasileiro para uma jam session restritíssima, inacessível ao público em geral.
Somente acontecia aos domingos à noite, em data anunciada previamente aos privilegiados frequentadores ao final de cada uma dessas sessões fechadas.
Havia alugado no Brooklyn um local para residir por onze meses durante o período de visiting scholar, com suporte do professor George Yúdice, em estágio de doutoramento na New York University (NYU).
Outono na semana seguinte à minha instalação, recebi em casa para um brunch dominical. Regado de uma festinha.
Vieram colegas da NYU – como o professor de cinema Robert Stam, autor de Tropical Multiculturalism (1997), e outros que já conhecia de passagens anteriores pela cidade.
Bob Stam, da NYU, especialista em cinema brasileiro, na festa que ofereci em minha chegada a New York em 1998
Colegas trouxeram colegas e dessa forma fui apresentado à estudante somali, já residente não sei onde em Nova York. Que ao final falou da jam session naquela noite. Ninguém mais além deste escrevinhador se dispôs a conhecer a parada.
Designação do local não havia. Anúncio tampouco. Banda ou artistas escalados, surpresas.
Tinha de se ir à Hudson Street, cruzar ruas, caminhar em direção a um prédio antigo cinzento ou marrom de seis a oito andares, talvez uma antiga fábrica.
No trajeto, cada um havia de comprar bebidas para levar em contribuição. Vinho, cerveja, água, o que quer que fosse para compartilhar com os demais.
Edifício localizado, tinha de se interfonar na combinação de números e letras – a qual somente os habitués sabiam – dos botões de um aparelho aposto na parede lateral da grossa porta trancada.
Uma voz atendeu. A garota somali, então, disse uma senha. Ao sinal de alguém lá de cima a porta se abriu, subimos por um elevador meio artesanal até o quinto ou sexto andar.
Desde aquela noite a jovem somali sumiu do radar. De minha parte, bati ponto no local enquanto morei em Manhattan (não demorou para me transferir do Brooklyn, por brigas com o cara com quem dividi o aluguel).
O local era um loft. Um espaço único, por todo o andar, ocupado por artistas, incluindo músicos, escultores, pintores de telas, que deixavam suas obras à mostra. Não havia divisórias, a não ser cortinas de pano estampado. De lá avistava-se o rio Hudson e a silhueta de New Jersey na outra margem.
A banda montava seus instrumentos num dos cantos, fios e cabos elétricos expostos pelas partes.
Singers, fossem garotas ou rapazes, se revezavam ou faziam duos ao pedestal dos microfones.
A sessão varava a noite, invadindo a madrugada de segunda-feira, com gente que ia chegando, se acomodando, puxando assunto com quem encontrou a primeira vez.
No que era a cozinha, geladeiras das antigas, nas quais os que chegavam iam depositando e amontoando as bebidas. Quando alguém desejava, se dirigia às geladeiras e pegava o que queria.
Quando no fevereiro nevado me visitou uma amiga que fazia jornalismo na Universidade Federal da Bahia, para ali fomos uma ou duas vezes nos divertir.
Apreciar do bom jazz de bandas que se sucediam, improvisando virtuoses. Por amor à arte, sem nada cobrar em troca.
A não ser a concentração do público extasiado, agradecido, abençoada seja a vida!