Tasso Franco
17/03/2018 às 12:30
Salvador vai completar 469 anos de fundada em 29 de março próximo. A data foi escolhida pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em 1949, no I Congreso de História da Bahia, por influência de Frederico Edelweiss. Os historiadores baianos não consideraram o período da Vila do Pereira erguida pelo donatário da Bahia, Francisco Pereira Coutinho, entre 1536 e 1549; nem a presença de Diogo Álvares, o Caramuru, que habitava o altiplano da Barra/Graça desde 1910 a serviço dos franceses, fazendo negócios de madeira com os tupinambás.
Essa parte da história da cidade do Salvador, os primórdios, ainda tem muita coisa nebulosa a ser pesquisada e revelada. A primeira delas é que, até hoje, ninguém sabe a origem de Diogo Álvares, se de Viana do Castelo ou de outra cidade ao Norte de Portugal, ou mesmo um galego-lingua (espanhol que falava tupi) como se referiu a ele o donatário de Porto Seguro, Pero de Campo Tourinho. Até porque, que se saiba, Diogo não deixou nada por escrito. Pelo menos nunca ouvi falar de documentos que ele tenha produzido nas negociações com os franceses ou comentado sobre sua origem.
Quando casou-se com Quaiadyn, uma nativa tupinambá que levou para o Noroeste da França, Saint Malo, em 1528, numa nau de Jaques Cartier, há um registro do batismo da tupinambá com o nome Catarina de Granches, em homenagem a mulher de Cartier, depois Catarina Paraguaçu, e seu casamento na Basílica de São Vicente. E só. De retorno a Bahia instalaram uma capela em louvor a N. Senhora da Graça onde está sepultada Catarina. Diogo faleceu em 5 de outubro de 1557.
Há dúvidas se Catarina era mesmo filha do mayoral da Ilha de Itaparica (Taparica) uma vez que Diogo sempre morou à beira mar da Baía de Tdos os Santos, hoje, bairro da Barra, portanto, não costumava fazer viagens ao interior. Havia, no entanto, já nessa época (1520) um vai e vem de canoas entre as duas localidades com ancoragem na Gamboa.
Sobre Francisco Pereira Coutinho sua origem é conhecida. Era fidalgo da Casa Real filho do alcaide mor (chefe militar) de Santarém e militar que servira na Índia. Recebeu do rei a Capitania da Bahia 50 léguas (300 km da costa Atlântica), em 1534, e armou uma frota com o dinheiro que saqueara na Índia e desembarcou na Bahia no verão de 1536, com 120 pessoas entre colonos e familiares.
Instalou-se logo após a Ponta do Padrão (Ponta do Caramuru, atual Forte de Santo Antônio Barra), no atual Porto da Barra, numa colina que ficou conhecida como Vila do Pereira.
Trazia em mãos um documento real de doação da Capitania, mas, isso de nada valia para os tupinambás. Diogo Alvares sentiu, no entanto, que seu tempo de dominação iria terminar e passou a colaborar (e também conspirar) contra Pereira, o qual tinha o apelido de "Rusticão", de rústico, duro, de não saber negociar e levar suas medidas adiante na força. Dois dos colonos que vieram na sua frota, Afonso de Torres, espanhol, e João de Velosa, instalaram engenhos de açucar em Paripe e Pirajá. Iriam seguir o modelo de sucesso do donatário de Pernambuco, Duarte Coelho, que produzia açúcar em abundância.
Os tupinambás não estavam acostumados a trabalhar na diaria, de sol a sol, pois, viviam da caça e da pesca e de empreitadas com Caramuru intermediando venda de pau-Brasil aos franceses. O trabalho em engenhos, desde plantar a cana, tratar, colher e moer até produzir açúcar era pesado. Rebeliões pipocaram certamente incentivadas por Caramuru. Foi uma luta que durou, ao menos, 9 anos. Em 1545, os poprtugueses estavam encurralados na Vila do Pereira passando fome.
Nesse processo apareceu um clérigo de missa chamado João Bezerra e macomunado com os inimigos do Rustição mentiu que voltava de Portugal e munido de um documento falso destituiu o donatário. Pereira escapuliu numa nau e refugiou-se em Porto Seguro e Bezerra os colonos também fugiram deixando a Vila a mercê dos tupinambás que a destruiram.
Caramuru, temendo uma ocupação francesa, e não mais apenas negócios avulsos, dirigiu-se a Porto Seguro numa "chalupa" e convenceu Rustião a retornar a Capitania da Bahia.
No retorno, a "chalupa" bateu em arrecifes na costa da Ilha de Itaparica, o Rusticão conseguiu salvar-se do naufrágio, mas, foi reconhecido pelos tupinambás e teve seu crânio esmagado por tacape. A morte de Pereira, segundo o historiador Eduardo Bueno, mudou o curso da história do Brasil. Isso porque, quando a noticia chegou a Portugal, os planos do conde de Castenheira, d. Antonio de Ataide, principal assessor do rei, o vedor da Casa Real, se intensificaram para convencer o rei Dom João III a colonizar o Brasil de vez instalando um governo-Geral, uma Colônia com maior organização.
Sem isso, Portugal poderia perder o território brasileiro para a França, o espaço que ia das capitanias do Norte (ainda sem exploração) e São Vicente, SP, limite máximo do Brasil ao Sul estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas. Na linha Sul até a Bacia do Rio da Prata os espanhóis já tinham dominado e estabelecidos as cidades de Assunção, Paraguai; e Buenos Aires, Argentina; e conquistado o Peru e suas ricas minas de prata e ouro.
É isso, então, que Dom João III decide e instala um Governo Geral na Bahia, centro do território, na Capitania que fora de Pereira Coutinho readquirida pela Coroa aos netos do Rusticão e enviando a esquadra comandada por Tomé de Souza.
Vamos comentar esse assunto na segunda matéria sobre o aniversário de Salvador.
Os três principais personagens da matéria de hoje são esquecidos dos poderes públicos da Bahia. A única homenagem que há sobre Francisco Pereira Coutinho, na Barra, é um restaurante da iniciativa privada com seu nome. Diogo Alvares é nome de uma praça gourmet na área do Mercado do Rio Vermelho; e a fonte de Catarina, na Graça, recuperada no governo João Henrique está abandonada.
A igreja de NS da Graça, onde estão os restos mortais de Catarina, passa por uma reforma patrocinada pelo IPHAN e é um templo beneditino, herança deixada por ela de sua sesmaria (terras e igreja) Ordem de São Bento. (TF)