OS CÚMPLICES da morte de Marielle Franco

Fernando Conceição
16/03/2018 às 12:12
SOUBE DO ASSASSINATO da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes instantes depois de sua execução na noite desta quarta-feira, 14 de março.

Quem nos deu a notícia, a mim e à minha cara metade, foi Hamilton Assis. Vice-candidato à presidência da Republica na chapa liderada pelo democrata-cristão Plínio de Arruda Sampaio em 2010. Pelo PSOL, partido político nascido de  dissidência de filiados ao PT horrorizados com a quadrilha na qual esta agremiação se transformou.

Hamilton, visivelmente abalado, cruzou com a nossa mesa no restaurante onde, notei, muita gente que horas antes participara do Fórum “Volta Lula”, vulgo Social Mundial (FSM) fora se refestelar. O reduto, no boêmio bairro do Rio Vermelho, a “Confraria do França”, é frequentado pela “esquerda cabeça”.

À saudação inicial que lhe dirigi respondeu com um “Na resistência!“. Ao que retruquei já ser hora de passarmos da resistência para a proposição e ação. Neste momento mencionou o assassinato da vereadora, pessoa chegada a ele dentro do PSOL. Para mim e para milhões de pessoas, até então, uma ilustre desconhecida.

Antes que ele, talvez contendo as lágrimas, sumisse rumo à área dos sanitários, ainda deu tempo de dizer algo.

Naquela tarde, como eu, estivera debatendo numa mesa do FSM justamente a questão da violência e da ação das polícias no país. Será candidato a deputado federal. Talvez, não que nutre qualquer ilusão sobre o caráter do seu partido (tenho uma amiga que no momento quer processar o PSOL por direitos trabalhistas usurpados), ganhe meu voto.

Sob uma perspectiva crítica do fenômeno da violência, não há mistério na execução de Marielle.

A militante de causas dos direitos humanos foi vítima do Crime Organizado (C.O.). Assim mesmo com maiúsculas.

O C. O. não tem coloração partidária ou ideológica. Dos extremos que vão da direita à esquerda, cabe todos os que querem lucrar das misérias e desigualdades abssais. Permanentes no país desde priscas eras coloniais escravistas.

Sim, ela é mais uma, entre milhares, milhões de outras vítimas. Que nem de vítimas são designadas: simplesmente entram nos registros oficiais como estatísticas.

Pode confiar: do instante em que executaram a vereadora e seu motorista numa esquina do Rio de Janeiro até o momento em que você, caro leitor, lê essas mal traçadas, pelo Brasil afora e a dentro tombaram, do mesmo modo, centenas de outras Marielles e Andersons.

Rio de Janeiro: caixa de ressonância nacional. “Cartão postal do Brasil”. Sede da Rede Globo e de escritórios de principais agências e fundações da “Cooperação internacional”.

Base dos correspondentes de mídia estrangeira. “Cidade maravilhosa”. Dos mais importantes destinos turísticos mundiais.

Quartel-General da bilionária indústria do tráfico de drogas e armas de tiro. Que aí encontra mercado profícuo, boa parte oriunda da bolsa dessa “gente do bem”. Não do conjunto de favelas da Maré, origem de Marielle.

Não há bônus sem ônus. A execução da vereadora, feita por atiradores profissionais que a emboscaram e lhe dirigiram ao menos 9 balas certeiras de fuzis, também vitimando quem ia ao volante do seu carro, demonstra. Ao Rio e ao país inteiro.

Os marginais que cometeram mais essa barbárie são apenas a ponta do fio que, se puxado, leva a escalões mais altos da República.

A Palácios, Cortes, Tribunais, Casas Legislativas, Quartéis. Não apenas a bunkers subterrâneos ou coberturas de hotéis estrelados onde os chefões das armas e das drogas, mancomunados com autoridades governamentais, decidem quem vive e quem morre.

O Estado do Rio há tempos foi assaltado por uma Organização Criminosa travestida de partido político: o PMDB,  do chefe de quadrilha e ex-governador Sergio Cabral, que governa os cariocas desde o final dos anos 1990.

PMDB, ou MDB, hoje à frente do governo federal, com Michel Temer presidente do pais, graças à “astúcia” das alianças pela “governabilidade” dos caciques do PT, que o atraiu para o cargo de vice por duas vezes consecutivas.

Portanto, MDB e Cabral, aliados fieis da nefasta O.C. que conquistou a Presidência da República com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002 e de Dilma em 2010 e 2014.

Bandidos condenados e recondenados, como Lula, pelo poder judiciário. Desde a partir do Mensalão, diante da coragem do ministro Joaquim Barbosa.

Aliançadas com empresários gananciosos, mafiosos, essas organizações criminosas, legitimadas pelo voto popular, contribuíram nos recentes quinze anos para minar, no quanto puderam, o frágil, incipiente Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988. Que desdenham como “coisa da elite”.

Jornalistas, pseudos intelectuais e acadêmicos, claques seduzidas pela retórica populista, que ressignificam – uso o jargão propositadamente – domo se esquerda fosse, são cúmplices desses crimes.

Os executores de Marielle Franco estarão identificados rapidamente.

Ela, como parlamentar de um partido político cuja estratégia eleitoral condena a recente intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro – nesse particular, aproxima-se idealmente dos que teriam seus negócios afetadas pela presença do Exército nas ruas e nas favelas cariocas -, descansará em paz.

Como favelado, militante, jornalista e depois de um tempo acadêmico, não de hoje, ao lado de movimentos como o Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto!, somo-me aos que lutam contra o extermínio do povo negro no Brasil.

Faz cinco anos, em parceria com Maria Margarida Marques, da Universidade Nova de Lisboa, vimos tentar estudar cientificamente e dar respostas, também científicas, a aspectos desse fenômeno. O quanto as altas taxas de violência letal e não-letal abalam e põem em risco a democracia.


Nas recentes cinco ou seis semanas andei “sumido” justamente por estar mergulhado em reflexões sobre o assunto, que deverão resultar em um livro (e-book). Encomendado por um recém-criado bacharelado na Faculdade de Direito da UFBA em, vejam vocês, tecnologia da Segurança Pública. No qual me convidaram como docente.

De dez projetos de orientação acadêmica e de bancas de análise que me chegam, em níveis de pós-graduação e graduação, oito dizem respeito a essa temática, também assunto da dissertação de mestrado de Marielle Franco na Universidade Federal Fluminense (“UPP – A redução da favela a três letras”).

As causas defendidas por Marielle continuarão defendidas por muitos e muitas de nós.

Seu brutal assassinato, e é uma pena que assim seja, nos dá mais força para continuar no combate a um Estado burguês, branco, genocida.

Representado por oportunistas nos espaços de poder de todas as instituições brasileiras – inclusive nos meios acadêmicos, intelectuais, artísticos, partidos políticos, meios de comunicação…