Valdir Barbosa
03/01/2018 às 08:09
Lágrima brotava fácil, no rosto bonachão de homem inteligente, irreverente, mas, principalmente sensível de Antonio Moreira, falecido, hoje.
Quem cruzava o Mercado das Flores, em frente a entrada do Largo Dois de Julho, ponto conhecido da nossa querida Salvador, a partir das onze da manhã de todos os dias do ano poderia vê-lo, no final do corredor que abriga um dos restaurantes mais tradicionais da cidade, inaugurado pelo pai há mais de setenta anos.
Ponto que jamais perdeu sua identidade, posto preservado pelos filhos que tocam o empreendimento por quase meio século, sentado à mesa colada no balcão, de onde saem para bancas sempre repletas de pessoas anônimas, ou das mais importantes do cenário nacional, comidas de sabores inigualáveis - moquecas, filés, carneiro, frango, sarapel, mocotó e feijoada supimpas.
Às vezes, mais cedo, ou ao final do dia, ele se abancava bem em frente a entrada da casa, para ler jornais, fazer contas, dar ordens aos funcionários, cumprimentar os passantes, comentar acerca de novidades, falar de efemérides e desencarnes, sempre de forma peculiar e alegre, quando se tratava de notícia alvissareira, não economizando choro sentido, ao discorrer sobre a ida de alguém querido.
Dia destes, meses atrás, não muitos, recordo que ainda pela manhã, portas do restaurante cerradas pude vê-lo acomodado num banco da praça, enquanto passava voltando de habituais caminhadas que origino do Campo Grande, onde resido e me levam a lugares distintos da região.
Chamou-me como de costume dizendo: "Dr. Valdir, o senhor soube que minha cunhada, a esposa de Chico faleceu"?, e sua voz foi cortada por um soluço sentido, próprio dos que tem um coração e alma repletos de doçura.
Fiz-lhe os votos de condolências pedi que estendesse ao irmão e sobrinha mensagem de pesar escusando-me pelo fato de ser impossível estar na despedida, viajaria naquela tarde ao interior, assim, segui minha jornada.
Pouco antes de partir para onde me encontro, sábado anterior a meu embarque passei boa parte do dia em sua companhia, entre doses de Old Parr e saboroso mocotó revigorante.
Falamos de amigos, ele preocupado com a saúde de um deles, lembramos histórias do tempo em que engatinhei na polícia, época de Antônio Medrado chefiando a instituição, pessoa por quem nutrimos ambos grande afeição e de outros tantos ícones da casa que me fez realizado como homem e profissional, a exemplo de Edgar Medrado, João Laranjeira e outros personagens marcantes da Civil que resolveram nos deixar no ano findo.
Nestes dias em que percorro cantos da América do Norte, vez por outra, frente a uma iguaria, ou impressionado pela grandeza de paisagens geladas, mas belas, muitas vezes minha ideia voava até o cantinho onde nos víamos desejoso por falar, na volta, com este meu dileto amigo, acerca das novidades.
Manhã de hoje, Raimundinho, parceiro comum, ex escrivão, depois jornalista policial, no tempo em que escrevia minhas histórias de polícia, muitas por ele publicadas, agora executivo no TRE baiano, me liga para dizer que Antônio Moreira foi encontrado sem vida, nesta terça, a primeira do ano, em sua casa.
Agora, sou eu que tenho a voz cortada e os olhos marejados. Decerto, as coisas no Porto do Moreira amanheceram insossas. Mas, a vida segue, Deus o acolherá em lugar merecido e nos concederá, assim como aos seus, a resignação necessária para suportar a dor da perda.
Boa viagem amigo.
No meu retorno, com fé em Deus irei ver seu canto e lá, beberei em sua homenagem.
Newark, 1/02/2018