Valdir Barbosa
13/08/2017 às 20:39
Dia destes, meu querido neto, Gabriel, em cujas veias corre o sangue das duas instituições policiais que honram a Bahia - o avô é este calejado homem de polícia civil e o pai, oficial da briosa corporação coirmã - me perguntou, do alto da sua santa inocência e sapiente curiosidade infantil. Vovô, o que é ser policial.
Admirou-me a cobrança, muito embora, por obvio, tenha aguçado seu interesse, a pugna permanente do pai, integrante de equipe especializada da Polícia Militar, com atuação nas terras do cacau e entorno, ausente de casa por longos dias, a enfrentar os desafios todos, conhecidos das mulheres e homens de polícia, idênticos em todo país e porque não dizer mundo afora.
Também, quiçá, seu questionamento guarde motivos, mesmo sendo ainda pequeno, em face das histórias hoje contadas pelo pai de sua genitora, pois a vida nos reserva momentos de fazer história e ao final contá-las. Vivo hoje o privilégio do doce momento de rememorar.
Pensei em começar dizendo, o quanto ser polícia exige grande dose de vigilância, ao lembrar frase que alguns atribuem a Shakespeare: “A eterna vigilância é o preço da segurança. Pois, alguns devem velar enquanto outros dormem”. Todavia, acreditei devesse ser o mais simples possível, para tentar explicar aquela criança, por mais complexa seja a atividade policial, por mais que sejam enormes os desafios e riscos dela inerentes e pretendi, na fração de segundos responsáveis por separar a indagação do resultado esperado, falar da beleza escondida no ato de fazer polícia.
E respondi. Meu filho: ser policia é ter um coração bom, assim como é o coração de seu pai, todos os colegas dele e também deste teu avô. Ao contrário do que muitos pensam, ou divulgam, o verdadeiro policial é sensível, cuidadoso, terno, preocupado com o outro e vê, nas pessoas a quem defende, a família que tanto ama, mas, na maioria das vezes é deixada em segundo plano, posto sua obrigação lhe afasta por horas, dias, semanas, até meses, do convívio com os entes mais amados.
Ser polícia é estar disposto a servir, sobretudo aos mais humildes, é não temer buscando forças, no sentido de enfrentar quaisquer perigos objetivando atender ocorrências, das mais simples, a casos de extremo perigo, onde a vida, o bem mais precioso que recebemos todos, se acha em risco.
Ser policial obriga aquele que abraça o ofício, a privar pela retidão de caráter, por estar permanentemente sobre o estribo da honestidade, em quaisquer que sejam as circunstâncias. O homem de polícia deve ser o exemplo e não pode se deixar envolver por maus modelos, a pontuar tantos comportamentos de homens públicos, responsáveis, na esteira de seus atos ímprobos, pelos grandes despautérios da atualidade.
Claro, as palavras escutadas com avidez e assistidas com entusiasmo, por aqueles ouvidos atentos e olhos faiscantes reservavam sinônimos mais simples, afinal era uma criança quem ouvia aquelas assertivas.
Continuei. Ser polícia é estar em constante treinamento, para atuar de forma necessária, quando preciso for; é perquirir ininterruptamente em busca verdade e tão somente dela, a verdade, no objetivo de fazer justiça; é exercitar a paciência, a persistência, a inteligência, no afã de esclarecer os crimes; é ser sagaz, cuidadoso, dissimulado, ardiloso, quando o objetivo for a captura do delinquente, a negociação em momentos de crise, sem que isto implique em ato de covardia, entretanto, ações de alto risco merecem cuidados redobrados; é ser enérgico, duro, efetivo, respondendo no mesmo nível de agressividade, às reações dos que decidem encarar agentes da lei, podendo chegar a quaisquer extremos necessários, sem que isto implique em postura excessiva e arbitraria, afinal, entre o representante do estado e o transgressor, que perca o transgressor. A opção é dele.
Gabriel apenas meneava a cabeça e indicava se fazer entendido. Então, para concluir lhe disse. Acima de tudo, o homem de polícia precisa saber chorar e não deve ter vergonha de fazê-lo. Não precisa corar por conta disto, se tratam todos, mulheres e homens dedicados a esta função espinhosa, de seres humanos como os demais, com suas vicissitudes, desejos, anseios, medos, duvidas, carências, paixões, amores, segredos e sonhos.
Chorar, sobretudo, quando ao fim e ao cabo de missões ingratas, mas não inglórias, forem exitosos. Finalizei, contando como fui às lágrimas, nos idos da década de noventa, quando após dias de tratativas com sequestradores, depois de prender em Aracaju o negociador dos facínoras comandei a invasão do cativeiro. Eu mesmo encontrei um garoto, assim como ele.
Trazia na época a mesma idade sua, no agora. Estava acorrentado como um cão, aos pés da cama que lhe serviu de calvário por semanas. Arranquei-lhe os ferros, tomei-o no colo. Por um tempo esteve incrédulo sem saber o que ocorria, mas aos pouco entendeu estar nos braços de quem teve o privilegio de libertá-lo.
Não sei onde está agora dita figura, filho de advogado, o pai tinha, inclusive, tempos antes sido Delegado de Polícia. Espero esteja bem e tenha superado os traumas que marcam indelevelmente estas vitimas. Lembro que as lágrimas rolavam em minhas faces com abundância, molhando meu rosto quando agradeci a Deus pelo direito, o mesmo que tive, outras vezes também, de resgatar pessoas em idênticas circunstâncias.
Meu pequeno neto havia adormecido e não notou, outra vez meus olhos marejaram, no dorso da lembrança. Deixei de lhe dizer que esta é a maior das recompensas do ser polícia. Servir, em especial a sociedade e a justiça. O prazer do policial não reside em ter autoridade, prender, usar a força, mesmo fazendo-o no exercício do estrito cumprimento de dever legal. A satisfação destes abnegados, se esconde na emoção em cumprir seu dever. E nada mais.
O infante em meus braços devia estar sonhando com estes tantos homens e mulheres que são polícia de verdade