OS DOIS MEDRADOS, hora de meditar na Policia baiana

Valdir Barbosa
21/07/2017 às 18:48
O ano. 1977. Ainda engatinhando como delegado de polícia e agindo como  funcionário comissionado, na cidade de Itapetinga, onde plantei as raízes que frutificaram minha carreira desenvolvi a primeira investigação representativa cuidando de apurar crime de homicídio, do qual foi vitima o jornalista conquistense, Noé de Oliveira Neto.

   Na época do fato, feriados do início de novembro, me levaram com familiares da companheira com quem convivia, mãe de Gabriela, filha querida, nesta semana completando quarenta anos, até casa de veraneio na Barra de Itaípe, bucólico lugar localizado em frente a Ilhéus, nesga de terra postada entre o mar e um dos rios que deságuam naquele ponto do oceano. Não havia ainda a ponte que hoje conduz os viajantes às praias do norte ilheense, Itacaré e sítios seguintes.

   Por determinação do Superintendente da Polícia Civil, cargo equivalente ao Delegado Geral na atualidade, comunicada por militar do Batalhão da Policia Militar sediado bem em frente ao ponto onde aportavam canoas, responsáveis por transportar passageiros de um lado para o outro do rio deixei os prazeres aos quais me havia entregue partindo em busca do objetivo funcional. Este quadro se repetiu dezenas de vezes tempos adiante, afinal, a função do homem de polícia é um sacerdócio.

   Depois de périplo por cidades interioranas do sudoeste e sul baiano, logrei localizar jovem que teria sido acompanhante dos principais suspeitos daquele assassinato, sendo decisivas as informações por ela prestadas, no ato de indicar os autores do crime, estes, dois militares lotados no Batalhão de Vitória da Conquista. Mas, não se trata deste fato, a razão das linhas agora escritas sob grande dose de emoção, na manhã desta sexta feira do fim de julho.

   Reporto-me a ele, pois, por conta do trabalho enfocado, pela vez primeira estive no gabinete que jamais imaginava, naquele tempo, fosse me receber como seu titular muitos anos depois. Aos vinte e cinco anos, antes de prestar o concurso que, enfim, me fez tornar profissional de carreira fui levado à sala onde despachava o chefe da Polícia Civil baiana. Estavam no ambiente os delinquentes, conduzidos mediante escolta por superiores, no sentido de que os interrogasse.

   O fato de repercussão, a morte violenta de um representante da imprensa desenhou este quadro e pude rever - tinha-o visto, ainda adolescente e ele atleta, atuando como zagueiro do Esporte Clube Vitória, contra meu Bahia, no campo da Graça - Antônio Medrado de Alcântara. Pareceu-me maior do que era, mais forte do que aparentava, mais apolíneo do que Apolo, com sua cabeleira negra e vasta, afinal o infante estava pela vez primeira, em frente ao líder maior da instituição que começava a amar, por quem se apaixonaria e a quem se entregaria da forma como me pude entregar. Pouco importam os preços pagos, valeu a pena.

   A partir dali pude conviver varias vezes, em diversas oportunidades, com aquela figura sóbria, inteligente, séria, oratória brilhante, personalidade firme, induvidosamente um dos ícones da instituição, desde meados dos anos setenta, dentre outros que me serviram de exemplo e inspiração. À medida que fui alçando voos elevados, aquela imagem que me impressionou, na vez primeira que ficamos frente a frente, na condição de superior e subordinado foi se ajustando a realidade, assim, aos poucos deixei de vê-lo como super-homem. Mas, isto não indica qualquer decepção, ao contrário, conheci o lado realista de um homem que fez história por onde passou, atuando em quaisquer dos campos onde jogou o jogo dos misteres a ele confiados, portanto, o êxtase próprio dos jovens, se transformou na admiração consciente, adequada aos que amadurecem.

   Ontem, na terra cujo povo lhe fez prefeito, Érico Cardoso, antiga Água Quente, reduto próximo de Paramirim, onde nasceu, o coração valente de Antônio Medrado de Alcântara decidiu que era hora de parar e ele nos deixou.

   Falo agora de outro Medrado, também homem de polícia, da mesma forma ocupante de cargos importantes na instituição, assim como este sobre o qual acabo de dissertar, o Edgar Cavalcante, de igual sorte, parte desta plêiade de personalidades que fizeram história na Polícia Civil de nossa terra, exemplo de dedicação à causa da segurança pública, indubitavelmente, outra das figuras nas quais absorvi referências, responsáveis por me fazer avançar e progredir como homem e profissional. Igualmente letrado, da mesma forma comprometido com a causa e a profissão que abraçou, filho de família ilustre das bandas de Iaçu, era antes de tudo um lorde.

    Elegante, fino no trato com os semelhantes, gosto acurado, indumentária sempre impecável, por onde passava deixava o rastro inconfundível da aristocracia, por obvio, trazida não só do berço atual. Imagino tenha apurado tais modos em eras passadas onde, com certeza, pertenceu a ambientes sofisticados de nobreza palaciana, destarte, soube imprimir nas hostes em que conviveu nos tempos atuais, ao contrário de muitos, incapazes de sublimar esta atividade complicada à qual se dedicam homens e mulheres de polícia, ares de realeza.

   Na véspera da passagem de Antonio, Edgar também resolveu abandonar este plano e retornar aos braços do cosmos. Quiçá, a organização tenha optado por levá-lo do nosso convívio, não nas proximidades das plagas onde nasceu, como fez seu colega e amigo, mas sim, nas cercanias do ambiente em que reinou nos tempos fugidos. Desencarnou na longínqua Croácia, quando empreendia viagem ao velho mundo.

  Certo é, em menos de vinte quatro horas a Polícia Civil da Bahia fica órfã de dois dos seus maiores representantes. Que a história profissional e de vida destas duas personalidades nos sirva de exemplo, para medrar boas atitudes, sobretudo numa hora em que o país atravessa momentos de tamanha turbulência e a segurança publica necessita de pessoas cada vez mais capazes de enfrentar os grandes desafios da violência assustadora. 

   Aos familiares possa Deus oferecer resignação, capaz de suportar a dor da perda.