Fernando Conceição
29/05/2017 às 11:40
DIANTE DAS ATUAIS circunstâncias que revelam a natureza e as entranhas do poder no país, indagado por gente entre horrorizada, indignada e pessimista, digo ser tudo o que está acontecendo muito positivo.
A meus alunos de diversas disciplinas na pós-graduação e na graduação, assim como a colegas daqui e do exterior, preocupados, lembro-lhes de alguns fatos para defender meu ponto de vista. Consoante ao de Cândido, o otimista de Voltaire.
Brasil, comparando-se às sociedades vislumbradas como modelo (Japão, partes da Europa como Alemanha, Suíça, França, Inglaterra; mesmo Estados Unidos da América), é um bebê que engatinha em termos de tempo e de conquistas democráticas.
Nossa independência de Portugal está a completar 195 anos, apenas. A escravidão acabou ontem, 1888, deixando profundas raízes nas mentalidades, no psiquê social e nos indivíduos.
Por mais de 350 anos a estrutura da base econômica foi a escravidão de negros. A República, submergida de um golpe contra a Monarquia em 1889, sempre foi, como a democracia, “um mal entendido”, nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda.
Nunca vista como Coisa (Res) Pública (Publica), porém como coisa de alguns, cosanostra no sentido da máfia siciliana, a República brasileira titubeia e engatinha por conta das várias interrupções sofridas até o fim da última ditadura militar enterrada pela constituição de 1988.
Michel Temer (PMDB), agora defenestrado pelo esquemão do qual é um dos beneficiários, assumiu a República com o impeachment da aliada Dilma Rousseff, também às voltas com a Lava Jato a exemplo do mentor Lula (PT)
Quando em reunião de pares na faculdade onde dou aulas, em meio aos ataques politicamente articulados para alvejar-me ano passado, declarei intenção de chefiar o Departamento (instância representativa dos professores), um dos trinta deles verbalizou o sentimento geral.
Não sei, expressou ele, por que insistia em tentar disputar a chefia se de antemão sabia que eu não teria nenhuma chance e o resultado seria minha derrota. Um cacique já disse que aí sou “persona non grata”; um outro paxá que não vota em mim nem que a vaca tussa. Melanina conta?
Ora, ora, eu antepus para a plateia ainda tonta pelo afastamento constitucional definitivo de Dilma Rousseff – em defesa da qual todos os presentes, exceto um, levantaram-se meses a fio durante o processo de impeachment. Dilma também sabia não ter chance de vitória, mas insistiu até o veredicto final. Ninguém ali viu nisso uma heresia.
Agorinha mesmo, junho-julho de 2017, intento colocar meu nome à disposição para diretor da mesma referida Faculdade de Comunicação da UFBA.
Com desgastes e consequências previsíveis, caso a intenção se materialize – coisa a ser decidida em alguns poucos dias. Obediente, a palavra final será de minha consorte. Considerada a paz do lar junto a doce criança de apenas 3 anos, demandante de monopólio absoluto da atenção dos pais.
Naquela encenação de disputa, consulta-se professores, alunos e técnicos da faculdade. Como ocorrido quatro anos atrás, quando fui receptor de 40% do total de votos, ficando em segundo lugar na disputa.
SE DADA POR currículos acadêmicos, programa de gestão e a experiência de vida dos concorrentes, isto é, se apenas os méritos são sopesados, a competição é qualitativa. Nada de cotas.
Mas todos sabemos que outros fatores entram numa competição – Raymundo Faoro falava em compadrio, clientela, patrimonialismo. Concretos: a rede de apoios e alianças (se você faz ou não parte dos grupos de mando é decisivo). Subjetivos: aí cabem restrições morais, preconceitos, antipatias.
Currículo e mérito avaliados, a votação de segundo lugar foi obtida graças a alguns colegas e técnicos. Porém, da maioria dos estudantes de graduação que, aliás, também em 2015 distinguiram este escrevinhador como Professor Homenageado da turma concluinte nesse ano. (Somente vim a saber depois: clique).
Deram um jeito, apuradas as urnas, de abduzir meu nome da lista tríplice encaminhada à Reitora da Universidade.
Nada irregular. Leis e normas sustentam o argumento de que o resultado da consulta não obriga quem decide elaborar e encaminhar a lista necessariamente respeitar o resultado da mesma dita consulta. Se novo desgaste valerá, é algo ainda em aberto. Fecha parênteses.
Voltando ao tema. A teia de corrupção revelada pela força-tarefa da Operação Lava Jato, tendo por conseguinte a crise que envolve o Brasil agora, é benéfica.
É melhor sabermos de tudo (ou quase). A médio e longo prazos, se preservado o Estado Democrático de Direito, o Brasil não será uma Escandinávia.
Com liberdade de expressão, eleições livres, independência entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, entre outras premissas básicas, deixará de ser a casa de mãe joana que sempre foi.
Pela primeira vez na história temos a oportunidade de nos confrontar com as vísceras do Estado brasileiro, de mandonismo elitista, predador, autoritário da direita à esquerda.
São 28 partidos políticos, incluindo o maior opositor do recente governo, o PSDB, e o sócio-mór daquele, o PMDB, nas mãos das grandes empreiteiras, da J&F, dos bancos privados.
TODOS, CORRUPTOS e corruptores, vagabundos. Ladrões da bolsa pública – como nos tempos coloniais e da escravidão que estruturou esse Estado -, aliançados no assalto à Petrobras, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (!) etc.
Como há muita podridão em suas entranhas, o asco é a primeira reação à visão e ao cheiro fétido exalado pela intervenção cirúrgica da Lava Jato.
Que até ontem o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus fiéis demonizavam, tentando livrar a cara do seu capo Luiz Inácio Lula da Silva, já comprovadamente enrascado hoje em dia.
As nações lá de fora, do chamado Velho Mundo que admiramos, têm mais estrada e história. Sua sociedade, no passado distante – da Antiguidade à Era das Revoluções burguesas, às grandes guerras do século XX, marchas e contramarchas que, por vezes, as levaram ao precipício -, todas vivenciaram coisas muito similares ao que o Brasil vive.
Para gozar o grau de estabilidade e participação cidadã hoje desfrutados por seu povo, espoliaram outros “mundos” e sofreram internamente períodos de violência, fome e guerras civis.
Exageros e equívocos pontuais – remember Maximilien Robespierre na Revolução Francesa, que deu lugar ao bonapartismo – haverá.
É preciso estar atento e criticá-los, como agora se faz com o beneplácito do Procurador-Geral da República na Lava Jato com os bandidos irmãos Batista da J&F.
Mantidas as garantias do Estado Democrático de Direito, bom sublinhar, não demorará outro século para o Brasil deixar de ser a alegoria de país do futuro prevista por Stefan Zweig (1881-1942).
O Brasil será uma Dinamarca quando um negro for reitor da USP ou da UFBA. É preciso avisar a meus pares que não se assustem: isso não está em jogo nem no momento nem daqui a décadas.