SALVADOR 467 ANOS: Vereador foi governador Geral do Brasil

Tasso Franco
14/04/2016 às 10:46
  Corria o ano de 1671 quando chegou a Salvador o novo governador geral do Brasil (cargo hoje equivalente ao de presidente da República), Afonso Furtado do Rio Mendonça, Visconde Barbacena. A cidade já tinha 122 anos de existência e nesse momento o Brasil estava tentando experimentar um novo ciclo em sua economia, inspirado nas exportações espanholas da prata do Cerro de Potosí, Alto Peru, em 1611, a maior produtora de prata do mundo.  

   O Brasil tinha exaurido dois ciclos de sua história econômica, a exportação da madeira (Pau Brasil) e depois do açúcar. A Bahia era pioneira nesses dois mercados e quando Afonso Furtado chegou a Salvador sua maior missão era descobrir minas de metais preciosos na Bahia e no Brasil. Para tanto, no caso da Bahia, importou bandeirantes de São Paulo com o objetivo de destruir aldeamentos indígenas que existiam no interior do estado e tentar encontrar as tais minas.

   Não obteve sucesso na descoberta de novas minas, salvo alguma coisa em Jacobina. As entradas que promoveu matou e aprisionou milhares de nativos tapuias, maracás e aimorés. Esse é outro tema pouco estudado na Bahia e a lista é enorme dos paulistas bandeirantes predadores. 

   No documento panegírico do governador, escrito por Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676), um espanhol que vivia em Salvador - o Brasil libertando-se da dinastia filipina no estado (União Ibérica Portugal/Espanha) - revela muitos desses atos, de campanhas militares pelo interior do Brasil com o objetivo de dominar as tribos nativas e procurar riquezas minerais.

   O Brasil dominou o mercado de açúcar mundial entre 1570-1670 (um século). O país possuia quase 200 engenhos de açucar produzindo 8.400 t ano. O baque inicial se deu com a invasão dos holandeses (1624/Salvador; 1630/Recife) quando o império português esteve sob o domínio habsburgo (Felipe II até Felipe IV, de Espanha, 1580/1640) que perturbou a economia açucareira. Quando a ocupação acabou os holandeses e ingleses já tinham implantado suas plantações no Caribe e o mercado se alterou.

   Foi com esse quadro, o Brasil perdendo a hegemonia do mercado do açúcar que o governador Afonso Furtado chegou a Salvador e seu objetivo maior, a Corte num momento de transição com o inicio da dinastia dos Bragança, era descobir uma nova riqueza como havia nas colônias da Espanha nas Américas - o ouro e a prata. O governador partiu em busca dessas preciosidades. 

   Vou apenas citar algumas investidas porque o objetivo deste texto é mostrar como foi que um baiano, vereador da Câmara de Salvador tornou-se presidente do Brasil. 

   Então, a conquista do interior da Bahia em busca dos metais preciosos deu-se com muito sangue. Os tupinambás eram pacíficos, mas, os aimorés de Ilhéus e Porto Seguro eram guerreiros e atacavam as plantações e as vilas. Batalhas permanentes aconteciam.

   Anotações de Juan Lopes Sierra: "Nos primeiros dias de maio de 73, fizeram os paulistas a terceira entrada aos Maracás marchando 200 léguas....noutra expedição o capitão Manuel de Inojosa se acercou dos Cochos e descobiu um rio com 400 braças de latitude e gentio que 400... quatro as bandeiras que diante do nosso herói (o governador) fizeram os paulistas. Essas investidas se deram na Bahia e no Brasil. E salvo a morte e o aprisionamento de milhares de índios, ouro que é bom, nada. A descoberta das minas, em Taubaté, em 1697, "vinte ribeiros de ouro da melhor qualidade".
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   Agora, vamos a parte que nos toca mais diretamente. No final de outubro de 1675, o governador Afonso Furtado do Rio Mendonça foi acometido de uma erisipela. Veja o que diz Lopes Sierra. "Estando Nosso Herói visitando Nossa Senhora (a capela do Monteserrat de quem era devoto desta santa padroeira da Catalunha) lhe deu o achaque que lhe soia dar de erisipela, mas não foi como soia o sentimento que lhe causou a febre, porque lhe deu um tal deileixamento do corpo, que se viu que desmaiavam suas vitais espíritos, sinais certos de arruinar sua vida". Ou seja, o governador desmaiou de dor, febre alta.

  A partir daí passa por sangrias - 4 iniciais, depois mais 14, 18 e mais tarde 21 sangrias para tentar reduzir a infecção -  e um mês depois recebe a extrema unção do padre Bartolomeu de Gusmão. Morre no dia 26 de novembro de 1675.

    Narra Lopes Sierra: "Como é possível possa haver pressa em um espírito de que tenho feito entrega ao seu criador Salvador e redentor e em quem confio. Jseus, Jesus, Jesus, seja comigo. Com essas palavras deu a alma a Deus em 26 de novembro, entre cinco e as seis da manhã, tempo em que no Carmo estavam dizendo as 7 missas que havia mandato dizer em sua intenção".

   O sepultamento foi um dos mais pomposos já realizados em Salvador até porque era o primeiro governador e morrer na Bahia e ser seputado na Sé. Tudo foi muito rápido e houve uma disputa imensa para saber quem substituiria o governador até que a Corte portuguesa enviasse um novo mandatário.

   Os homens selecionados para participar do triunvirato foram Alvaro de Azevedo, veterano de campanhas na Europa e Mestre de Campo General; Antonio Guedes de Brito, rico criador de gado e mais velho vereador da Câmara, ambos baianos; e o chanceler do Real Tribunal de Justiça, ou Tribunal da Relação, Agostinho de Azevedo Monteiro, substituido diante sua morte por Cristovão de Burgos, juiz baiano.

   Na disputa foram rifados o poderoso secretário de Estado, Bernardo Vieira Ravasco (irmão do padre Antonio Vieira), Antonio Lopes Ulhoa (desafeto do governador morto) e o sobrinho de Afonso Furtado, Antonio de Souza e Meneses.

   Pronto está aí a hisória. Essa junta governou entre 1675 a 1678 quando a Corte nomeou Roque da Costa Barrêto, o qual só chegou em 5 de março de 1678. 

   Portanto um vereador de Salvador foi governador geral do Brasil por três anos.
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   E quem era Antonio Guedes de Brito?

   Filho de Antônio de Brito Correia e de Maria Guedes, cujo avô materno era tabelião (e Guedes de Brito legou o tabelionato a um enteado). Nasceu em Salvador e foi batizado a 13 de fevereiro de 1627.

   Em Jacobina, tinha imensas propriedades. Foi chamado dos «maiores e mais dignos nomes brasileiros na Colônia», um dos grandes sertanistas da segunda metade do século XVII na luta contra índios e contra escravos fugidos que se estabeleciam em quilombos.

Os cronistas consideram notáveis seus serviços de defesa à Bahia e ao Brasil nas lutas contra os holandeses. Comandou forças cuja manutenção despendia de sua fortuna pessoal. Em fevereiro de 1667 foi empossado como Capitão de Infantaria, em dezembro de 1667 elevado a Sargento-Mor e em janeiro de 1671 promovido a Mestre de Campo.

Proprietário do ofício de tabelião, como o pai e o avô. Povoou terras entre o Rio Jacuípe e Itapicuru. Estabeleceu numerosos currais de gado nas regiões que pacificava, sobretudo em Jacobina. Era chamado «mestre de campo e regente do São Francisco».

  Descrito como «grande sertanejo e guerreador do índio hostil», em 1650 o encontramos à frente de bandeira na região da Jacobina, devassando os sertões do Morro do Chapéu. Acabaria dono de um dos maiores latifúndios do Brasil colonial, 150 léguas do Morro do Chapéu até as águas do Rio das Velhas, tendo instituído o morgado da Casa da Ponte.

   Em 1681 Guedes de Brito, juiz do senado da câmara da Bahia e grande proprietário de currais na região de Santana do Morro do Chapéu, acudiu ao vice-rei, e armou forte expedição com a qual desbaratou bandoleiros e índios, « limpando o caminho» até o rio das Velhas. Como prêmio dos feitos, obteve a concessão de vasto território onde fundou as Fazendas onde mais tarde assentaria a base de sua opulência o bandoleiro Manuel Nunes Viana, agregado de Guedes de Brito no início da vida. 

  Faleceu subitamente, entre 1692 e 1695 - no sertão do Morro do Chapéu ou em viagem ao Rio das Velhas. Alguns historiadores o dizem casado com uma Maria Madalena de Siqueira, paulista, irmã do sertanista Manuel Afonso Gaia; outros o dizem casado com Guiomar Ximenes de Aragão, de quem não teve filhos.

Todos são unânimes em dizer que teve de uma Serafina de Souza ou de Souza Dormundo, filha de Manuel de Souza Dormundo e de Maria Correia, uma filha, Isabel Guedes de Brito, ou Isabel Maria Guedes de Brito, que, legitimada, passou a sua herdeira universal. Mais tarde, enviuvando de Antonio da Silva Pimentel, D. Isabel entregaria o trato de seus interesses e procuração ao notório Manuel Nunes Viana, aumentando enormemente seu poder, que se refletiu na Guerra dos Emboabas contra os paulistas na região do Rio das Mortes.

Os restos mortais de Isabel Guedes de Brito foram sepultados com os de seu pai em 1733, pois existe com tal data uma sepultura na antiga Igreja dos Jesuítas de Salvador. [Essa igreja, a Sé Primacial foi derrubada em 1939. No local há o monumento da Cruz Caída, obra de Mario Cravo Jr].