Tasso Franco
14/03/2016 às 11:36
- Essa Bahia, que Tasso Franco conheceu e que hoje compartilha com os leitores, vive ainda no coração e nas lembranças de muitos que na certa se reconhecerão em suas páginas. Para os que não tiveram a sorte de compartilhar vivências e encantos dessa época, resta o consolo de pegar uma carona no trem da história e refazer os caminhos de um tempo que não volta" - Myriam Franga.
Assim, com essas linhas, a poetisa Myriam Fraga escreveveu com o título "Crônicas bem humoradas da Cidade da Bahia", o prefácio do meu livro de crônicas "A Cidade da Bahia", editado pela Casa de Palavras da Fundação Casa de Jorge Amado no ano de 2000, coordenação de Claudius Portugal, projeto, capa e supervisão gráfica de Humberto Velame; desenhos de Calasans Neto; editoração eletrônica de Bete Capinam e revisão de Carlota da Silveira Pereira, 126 páginas. Presidente da Fundação, Germano Tabacof.
Eu já conhecia Humberto Velame há anos, nas lides lítero etílicas da Boca do Rio com seu irmão Aurélio Velame, Béu Machado e Cidélia Argolo. Escrevia crônicas desde os anos 1970/80 e as publicava em A Tarde e na Tribuna da Bahia, ainda hoje por lá, dispersas.
Em meados dos anos 1990, aproximei-me de Calasans Neto - nem me recordo como começou essa amizade - e passei a frequentar sua casa na Rua do Céu, em Itapuã. Ia pra lá aos domingos pela manhã para um bate papo, cervejas e tira-gostos. Calá adorava conversar e muito. Auta, sua esposa, também falava pelos cotovelos. Eu sempre fui mais de ouvir e escrever do que de falar. Levava comigo minha esposa Ohara e meu filho Tassinho, pequenino. Calá lhe presentava com pequenos mimos. Ainda hoje tenho um deles, um camarada preso numa gailoinha de plástico.
Uma dia falhei-lhe que tinha crônicas acumuladas precisando editar e se ele poderia colaborar. Aceitou com sua generosidade ilustrá-las com seus desenhos, gratuitamente, e ainda me dar as gravuras. Fiquei tão alegre que tomamos um monte de cervejas. E fizemos dois livros juntos, o Cidade da Bahia, 2000; e o Trancelim da Baiana, 2013, este pela Relume Dumará, Rio.
Faltava a editora. E creio que foi Calá quem sugeriu falar com Myriam da Fundação Casa de Jorge Amado. Já conhecia Myriam do jornalismo, de entrevistas, de andanças no Pelourinho, mas não tinha a menor intimidade com ela. Também conhecia pouco Claudius Portugal e Bete Capinam.
Quando levei a proposta para Myriam ela adorou. - Vamos fazer. Ela era fã e amiga de Calasans, integrantes de trupe amadiana.
Um livro é sempre um parto, mesmo com pouco mais de 100 páginas, ainda mais quando o projeto cai nas mãos de Humberto, zen por natureza, perfeccionista ao extremo, cauteloso e às vezes indeciso de como colocar uma imagem na página, a cor da capa, a ilustração, detalhes que passam horas, dias.
Eu acompanhava tudo de perto e cobrava de Myriam, sem sobressaltos.
Ela dizia: - Tenha paciência, é assim mesmo.
Aos poucos o livro foi ganhando forma, editoração e chegou às minhas mãos para uma revisão final, se estava tudo bem. Não tive o que discutir: o trabalho de Humberto e Bete estavam perfeitos: os detalhes das ilustrações na contra-capa e inseridos nos textos, as capitulares, tudo como desejava. Ou até além do que esperava.
Era meu primeiro livro de crônicas a ser editado. Já tinha feito livros sobre Serrinha, sobre a politica baiana, ensaios, artigos em jornais e foi Myriam quem me incentivou a trilhar pela literatura - a crônica (que gosto muito e tenho outros três livrtos) a ficção (que tenho vários livros) e os causos e lendas da Bahia que tenho editados quatro livros.
No dia do lançamento do "A cidade da Bahia" os dois salões da Fundação, no Pelourinho, ficaram lotados. Estavam todos os meus amigos e leitores por lá e mais Myriam, Claudius, Calasans, Auta, Bete, Humberto e foi um dos lançamentos que mais vendi e autografei. Fiquei com o dedo doendo e depois ainda fomos comeraram no Habes do Pelô, com Sérgio Bezerra e amigos. Minha mãe, Zildinha, discrestissima nos seus 80 anos estava por lá, entre nós, admirada.
Hoje, passados 16 anos desse fato e revendo o livro sobre crônicas que remetem aos anos 1970, lá se vão 50 anos, estão na "A Cidade da Bahia" - dedicado a Rêmulo Pastore - relatos sobre "As Duas Américas", a dentadura de Ruby Confete (faleceu recentemente esse personagem), o baile da Guarda Civil que acontecia na Baixa dos Sapateiros, o Carnaval em "As Independentes", a Ladeira da Praça e o restuarante Rui de Dona Maria, a feijoada da mãe de Popó, deu mofo no sabonete de dona Dulce - a cliente mais antiga do Porto Moreira; o angu encubalo de Clarindo Silva, prato mais vendido na Cantina da Lua; Baile de 15 anos em Casa de Filha de Espanhol; Béu Machado e o Bar de Cabelinho e outras crônicas. .
Fala querida amiga Myriam, agora na eternidade, para fechar essas lembras: "Nesse seu livro de crônicas A Cidade da Bahia onde nota-se a todo momento a marca do jornalista, Tasso Franco constrói um roteiro bem humorado da cidade no que ela tem de mais pitoresco e admirável: seu povo, seus costumes, sua geografia humana e cultural, traçando um itinerário saboroso, que passa por lugares consagrados pelo uso, por pontos estratégicos de conhecimento e percepção do que seja a verdadeira cara da cidade, sem cosméticos e sem disfarçes".
Ficam, então, essas lembranças e essa homenagem a Myriam, grande figura humana e poetisa de mão cheia que tão bem escreveu sobre os encantos da Bahia e abriu os caminhos para que eu me dedicasse um pouco mais à literatura, além do jornalismo que pratico até os dias atuais.
Salve Myriam!