100 ANOS DA AV SETE: Aldeia tupinambá de Santiago, Praça da Piedade

Tasso Franco
20/09/2015 às 12:20
  No trajeto da Avenida Sete de Setembro que completou 100 anos no último dia 7, o Plano de Jerônimo Teixeira executado no governo J.J. Seabra tendo Arlindo Coelho Frangoso como engenheiro nomeado secretário e coordenador executivo da obra, a antiga Avenida do Estado abriu caminho na Praça da Piedade que estava confinada entre o prédio do Senado e a Igreja de São Pedro Velho.

   A ousadia do projeto fez com que, nesse trecho, - já comentamos aqui sobre a Ladeira do São Bento e o Relógio de São Pedro - com a derrubada de parte do prédio do Senado e da igreja de São Pedro Velho descortinasse para a população a Praça da Piedade. 

   A Piedade era a praça mais importante da cidade até o século XVIII não só por sua beleza e monumentalidade, seus prédios históricos e igrejas, mas também por sua simbologia sendo o local onde foram executados os mártires da Conjuração Baiana de 7 de novembro de 1799, e onde foram esquartejados seus lideres e exposta a cabeça e as mãos de Luiz Gonzaga das Virgens o autor dos panfletos qur nortearam essa revolta.

   O que vamos comentar, hoje, depois noutra oportunidade falaremos da Rua da Forca que sai do Largo 2 de Julho e vai até a Piedade e era o caminho daqueles que seriam enforcados na Piedade na época colonial, é sobre os primórdios desses sitio histórico, antes de ser a praça em louvor a Nossa Senhora da Piedade.

   Quando Thomé de Souza chegou a Bahia com a missão de fundar a cidade do Salvador, com planta da cidade fortaleza em mãos, já esboçada, e o mestre de obras Luis Dias à frente  com seus técnicos, toda essa gente desembarcou no Porto da Barra onde havia, em terra, a Vila Velha do Pereira, um pequeno sitio onde viviam alguns europeus - estima-se 400 - egressos da Capitania Hereditária da Bahia. 

   Francisco Pereira Coutinho, o donatário, já havia morrido quando Thomé desembarcou na Bahia. A capitania tinha sido passada a seu filho.

   A determinação da Corte de Dom João III era outra. Construir uma cidade fortaleza, instalar um governo geral e colonizar de vez o Brasil. Missão das mais dificeis, uma vez que o território do Brasil era imenso e franceses, holandeses e espanhóis já estavam de olho em suas terras e riquezas.

   A planta que Thomé trouxe exigia-se que a cidade fosse construida num platô, em local alto sobre o mar e com linha de tiro ampla para impedir invsões pelo mar, via Baía de Todos os Santos. 

   Thomé e sua equipe em armas e artífices, Luis Dias no comando do projeto, viram logo que a Vila do Pereira era inviável. Estava na mesma altura do mar, portanto, fácil de ser conquistada por qualquer invasor. 

   Daí que seguiram uma trilha pelo Mata Atlântica onde é, hoje, a Ladeira da Barra, antigo Caminho do Conselho, e chegaram até o que chamaram de Outeiro Grande onde morava Caramuru, área que pertence a familia Mariani em frente ao Yatch Club.
 
   Caminharam adiante até um platô menor onde havia uma capela dedicada a Nossa Senhora da Vitória, onde se situa, hoje, o largo da Vitória. Nenhum desses dois locais eram ideais para instalar a Fortaleza. 

   Daí rumaram para outro outeiro via corredor da Vitória (Campo Grande), bom local, mas com linha de tiro inaqueda. Muito largo e passível de invasões ao norte. 

   Seguiram adiante e se depararam com uma aldeia tupinambá, no hoje Passeio Público, comandada pelo cacique Tubarão, e chegaram até a Piedade, onde existia uma aldeia tupinambá, maior e mais habitada, e que recebeu nome de Santiago, dado pelos jesuitas. E, finalmente, chegaram a hoje Praça Thomé de Souza, o ponto ideal de instalar a cidade fortaleza.

   Essa trilha toda, da Barra ao centro, deram um nome genérico - Caminho da Vila Velha - sendo que a parte da ladeira da Barra era chamada de Caminho do Conselho - onde estava a casa do conselheiro - e perto de chegar a atual praça Castro Alves, porta Sul da Fortaleza, tinha o Caminho de Baixo, onde é a atual Rua Carlos Gomes.

   Pois bem, a praça da Piedade era uma aldeia tupinambá que continuou intocável porque os portugueses construiram a fortaleza mais acima e havia duas portas fechando a construção. Uma ao Norte, na altura da Rua da Misericórdia; e outra ao Sul, na altura da entrada da Praça Castro Alves. 

   Mas, é óbvio que os tupinambás sentiram o baque. Ao Norte, a aldeia mais próxima era no Carmo; e ao Sul, as mais próximas da fortaleza eram as de Tubarão (Ipirú) onde está o Mosteiro de São Bento; Santiago (Piedade) e a aldeia do cacique Simão (Passeio Público).

   Esses tupinambás do São Bento e da Piedade desciam a gameleira até a praia do Peixe onde ficavam suas canoas. Esse era o caminho do abastecimento em comida. Na Piedade não tinha rio, nem peixes.

   Até hoje há dúvidas porque a aldeia da Piedade recebeu o nome de Santiago, o apóstolo padroeiro da Espanha. Padre Carlos Bresciani SJ em "A Primeira Evangelização das Aldeias ao redor de Salvador Bahia 1549-1569", diz: "A Aldeia de Santiago foi a derradeira de quatro (São Paulo, São João, Espírito Santo e Santiago) que se haviam feito antes que o governador Mem de Sá, fose ao Rio de Janeiro, em 16 de janeiro de 1560". 

   Revela o estudioso que, em 1560, o novo Provincial jesuita, padre Luis de Grã, visitou pela primeira vez esta aldeia em setembro ou outubro e "fez nela mais obra (igreja, escola, etc) do que nas outras, e com sua ida se batizaram 260 entre moços da escola e alguns dos maiores, sendo que dos 260 fez logo 43 casamentos na lei da graça".

   No dia dedicado ao apóstolo Santiago, 26 de julho de 1561, o que primeiro se fez foi uma procissão pela manhã e missa de canto.

   Em abril de 1563, por causa da varíola, houve muitas mortes nesta aldeia e os jesuitas batizaram 84 pessoas 'in extremis' (fim da vida). 

   Em 1564, na Festa de São Tiago (Santiago) Apóstolo, a celebração religiosa na aldeia foi comandada pelo padre Antonio Blazquez. Há toda uma descrição longa sobre essa festa. Essa também é a última referência dos jesuistas sobre esta aldeia.

   Entre 1563-1564 a aldeia praticamente desapareceu vitimada pelas epidemias e pela fome. Os tupinambás que se salvaram foram aqueles que se mudaram para aldeias mais longínquas.

   Ou seja, em apenas 15 anos, a aldeia de Santiago - estima-se que era habitada por mais de 600 tupinambás - desapareceu do mapa. Foi engolida pelos sesmeiros. 
  A missão de Thomé de Souza e dos novos governadores que foram nomeados pela Corte pouco estavam se lixando para os tupinambás, os nativos da terra. 

   Os jesuitas, de sua parte, não estavam preocupados em preservar as culturas dos nativos e introduziram costumes religiosos adversos com base na fé cristã. Eles acreditavam em tupã e não tinham a menor ideia de quem era Cristo.

   Houve uma aceitação dos tupinambás porque eram muito pobres e com cultura primitiva, diferente dos nativos dos Andes, do México, Colombia, Peru, etc, e não lhes restavam alternativas, ou comungavam com as ideias e a ajuda dos padres (comida e mantimentos) ou fugiam para outras aldeias.

   Hoje, pouco se fala do exterminio dos tupinambás de Salvador e sequer há uma placa na Praça da Piedade revelando que ali havia, originalmente, uma aldeia tupinambá. 

   Desrespeito total com a história da cidade e sua gente original.