Tasso Franco
18/09/2015 às 07:59
A propósito dos 100 anos da Avenida Sete de Setembro, na década de 1960, durante os dias de Carnaval em Salvador - dos sábados às terças-feiras - o principal ponto de paquera de turma da classe média, de universitários e profissionais liberais, se situava no Relógio de São Pedro.
Era o local de maior concentração de homens e mulheres mais atraentes daí que marcávamos ponto nesse trecho da avenida, especialmente nos dias de domingo e terça-feira. Sábado era um dia morto e segunda sem efervescência.
Combinávamos o encontro por lá, a partir das 15h, com a expressão: "A gente se encontra lá no ponto das meninas do relógio", numa alusão ao Relógio de São Pedro largo que se chama oficialmente de Praça Barão do Rio Branco, porém, todo mundo só chamava, até hoje, de Relógio de São Pedro, cuja igreja para este santo está mais ao sul uns 300 metros de distância.
Pouco importa. Muitos de nós nem sabíamos da existência dessa igreja. Nos carnavais, o Relógio ficava repleto de barracas de festas de largo no modelo antigo, coloridas com motivos baianos, com mesas e tamboretes pintados, uma beleza. A violência era mínima e ainda vendia-se cerveja em garrafas de vidro. A lança perfume era símbolo de 'status', permtida.
As 'meninas do Relógio' eram encantadoras, as mais perfumadas da cidade, noviças rebeldes. Iam a avenida todas produzidas, de shortinhos e durante os carnavais ficavam mais assanhadas. Os homens também. Mas, não é como nos dias atuais. Ninguém 'ficava' com uma delas nos festejos carnavalescos, salvo raras exceções. A paquera era pudica. Como ninguém tinha celular a estratégia era levar pedacinhos papéis e uma caneta para anotar nomes, endereços e telefones das garotas. Era uma conquista. Demorava. Nada de chegar logo e dando amassos, beijando na boca como se fazem nos blocos carnavalescos de hoje.
Quase ninguém tinha carro e telefone à disposição com facilidade. Eu morava na Nova de São Bento com uns colegas de faculdade e não tínhamos telefone. Depois, no final dessa década, quando fui trabalhar no Jornal da Bahia, cuja sede era na Barroquinha, perto de minha casa, dava o número da redação do jornal. Um martírio.
Passado o Carnaval, quando voltava ao trabalho perguntava diariamente a telefonista se alguém havia telefone para mim. Ela respondia: - Ligou uma mulher aí mas não quis deixar o nome.
Os namoros de carnavais eram efêmeros. Não conheço nenhum dos meus amigos que tenha se casado com uma carnavalesca, uma dessas mocinhas do Relógio, nem do Beco Maria Paz, nem da Praça Castro Alves.
O ponto das 'meninas do Relógio' era fantástico. A gente ficava sentado nos bancos das barracas tomando cerveja e trocando olhares e bilhetes esperando a passagem de um trio elétrico. Nessa época, os trios eram elétricos sem os equipamentos eletrônicos atuais. Havia os instrumentos de cordas - pau elétrico ou guitarra baiana, o violão base e o baixo - e a galera que tocava os instrumentos de percussão - caixas, surdos e bumbos - situados nas laterais dos trios. Você só ouvia o som com mais clareza quando o trio se aproximava da Praça da Piedade. Aí os barraqueiros desligam seus sons e o agito era geral. A paquera corria solta.
Como passar dos anos e a liberação sexual dos anos 1970 a situação se modificou e melhorou porque as garotas ficaram mais assanhadas e liberaram geral. Aí foi criado um ponto complementar, terreno mais livre, no Beco Maria Paz, onde os amassos ficaram mais à vontade.
Só depois, no avançar dos anos 1970 foi que a Praça Castro Alves conquistou a todos e as 'meninas do Relógio', as liberais do Beco, as descoladas, os gays nascentes e seus movimentos, uma mistureba geral, chegou a praça do poeta. Aí, o Relógio perdeu força e mudou o perfil dos seus frequentadores. Da Praça Castro Alves o caminho complementar era o pátio do Clube de Engenharia na Carlos Gomes, hoje, área conhecida como Baixo Gomes.
Nessas duas décadas, o Carnaval de rua para a classe média alta começava por volta das 3 da tarde e ia até às 10 da noite. A partir desse horário era momento de passar em casa, tomar uma ducha, trocar de roupa e ir para um baile nos clubes. Havia 3 mais famosos, o da Asscoaição Atlética, no sábado; o do Bahiano de Tênis, na segunda; e o do Yatch Clube na terça. Havia também bailes aos domingos e matinés para crianças. O Fantoche já estava decandete, mas, resistia. O Botafogo, na Pituba, dava um baile para os solteiros. E tinha os bailes gala gays e dos artistas no Vila Velha e nos Hotéis.
Poucos dos nossos eram sócios desses clubes. Mas, sempre dava-se um jeito de entrar num desses bailes. O mais dificil era o do Yatch. O mais fácil da Associação. Eram bailes fechados, para associados. Com o tempo, os clubes precisando de recursos para pagar as orquestras e outros custos abriu-se a porteira para não sócios. Pagava-se um capilé extra e frequentava-se esses bailes.
Mas, muitos de nós ficávamos na Praça Castro Alves até tarde da noite e tava de bom tamanho. Não havia camarotes, salvo as varandas e marquises da Avenida Sete que eram alugadas pelas familias, os passeios onde se colocavam cadeiras, e o camarote do Pálace, da Chile.
Hoje, as 'meninas do Relógio' estão vovós, os carnavais do Relógio, do Beco, do Clube de Engenharia praticamente desapareceram e a Castro Alves ainda resiste com um encontro de trios que tenta manter viva a tradição dos memoráveis encontros dos anos 1970.
Descrever o dia em que a Caetanave embicou na Ladeira da Montanha para ganhar a Castro Alves - em certo sentido - parecia uma coisa do outro mundo, o homem chegando a lua.