A CULTURA ESMOLÉ na Bahia e os editais

Fernando Conceição
02/09/2015 às 18:59
TROMBETAS vão rufar na Praça do Terreiro de Jesus! O governo petista que quebrou o país, no comando da Bahia desde 2006, anuncia nesses dias a abertura de uma leva de editais chamados “de apoio” à cultura.

  Faltam no calendário axé-baiano apenas três meses úteis para acabar 2015. A Secretaria de Cultura do Estado (Secult) até hoje está inadimplente com uma lista de dezenas ou centenas de artistas, produtores e entidades culturais que tiveram projetos aprovados por editais em 2013, 2012, 2014.

  Gente séria – falo por experiência – que se submeteu à via crucis dos processos de habilitação, submissão, diligências, atualização cadastral, regularização de documentos junto a órgãos fiscais.

  Tudo pago do próprio bolso , para depois ser obrigada a repetir o mesmo calvário (o prazo da documentação caduca de sessenta a noventa dias), sem que os titulares da Secult tomem vergonha na cara.
Com sua política mais próxima de politicalha, o governo alienou, deixou a barriga de tanta gente na miséria, tantos projetos na indigência, a pão e água, que será uma corrida desembestada aos novos formulários de inscrição, certidões disso e daquilo.

  Há até cursos de especialistas no preenchimento da papelada. Privilegiadamente na universidade onde dou aulas – não me deixam, apesar de tentar, avançar além disso. Dalí a Secult mais recruta seus terceirizados e “intelectuais orgânicos”, escudeiros fiéis.

  Na pós-graduação, cinco de dez “propostas de pesquisas” que me chegam para avaliar são de produção de relatórios ou diagnósticos ufanistas a coisas atinentes à gestão da secretaria. Como se a própria Secult não tivesse um batalhão de aspones para fazer o serviço pago. Alguns são os mesmos encaminhados nessa condição à academia, como se a função da universidade fosse a de correia de transmissão do governo. Parece que sim.

  Seremos submetidos esses dias à enxurrada propagandística. O secretário Jorge Portugal e seus áulicos não terão vergonha de fazer o que mais têm sabido desde que assumiram a pasta em janeiro deste ano. Ôba-ôba com os detritos em que patinam os burocratas de gabinetes travestidos em gestores do setor.

  Os burocratas e também os “especialistas”. Na atual fase, um e outro se confundem nos gabinetes chapa-branca governamentais e nos corredores de universidades. Trata-se da mais obscurantista era da Cultura na Bahia, esta que presenciamos.
 
  Não há política de investimento cultural, strictu sensu. A não ser a dos editais e a de renúncias fiscais. Ambas são formas de domar qualquer sinal de rebeldia no empobrecido mundinho das panelinhas – da música, do teatro, dos eventos, da dança, do audiovisual etc. – formadas ao redor do mecenas do partido (ou coligação) à testa do governo.

  Era também assim antes de 2006. Mas ao menos havia uivos de insatisfação aqui e ali. Alguns jornais repercutiam. Sim, havia jornais em Salvador naquele tempo, que já se afigura distante – com jornalistas de verve anti-Antônio Carlos Magalhães que hoje, em grossa maioria, fazem parte do banquete ou compactuam.

  Ninguém quer correr risco em ser crítico, nenhuma das antigas guildas, associações ou sindicatos de artistas quer se indispor com a oficialidade. Por adesismo, cumplicidade ou simplesmente temor de represálias.

  Quase todos os criadores e produtores estão depundurados no Estado. Que os tornou – inferno dos infernos – em uns cachorrinhos,  animais por natureza afeitos à submissão e falta de amor próprio.

  Criancinhas crescidas, dependentes de verba pública até no que concerne à compra de papel higiênico para limpar suas bundas. É o coronelismo cultural, similar àquele dos rincões sertanejos ou periférios dependentes de cisternas e de bolsa família

  Jorge Portugal confessa, em entrevista a Verena Paranhos (A Tarde, 6/07), sua inapetência, inaptidão ou incompetência para a função de titular de uma pasta estratégica como é Cultura na Bahia.

  Perdeu ali a oportunidade de abrir o jogo sobre o real quadro em que pegou a Secult.  Com pagamentos atrasados a fornecedores,  prestadores de serviços, de encargos sociais, de restituição de mais de R$ 560.000,00 ao Ministério da Cultura por dinheiro de convênios não gasto em 2014… E – tão importante quanto – aos vencedores dos festivos editais.

  De janeiro à data de publicação deste post, de R$ 196 milhões e 261 mil da receita de gastos na Cultura previstos no orçamento consolidado do Estado para este 2015, R$ 90 milhões já tinham saído para cobrir aquelas despesas, de acordo com dados disponíveis no site da Secretaria da Fazenda da Bahia.

  O gasto com Cultura equivaleu a 0.70% (menos de 1%) da despesa total de Jacques Wagner nos doze meses, da ordem de R$ 36 bilhões 314.445.000,00.

  Em todo o ano de 2014 o gasto da Secult foi de R$ 255.338.000,00, incluindo a folha de pessoal (recursos humanos), em torno de 38% do orçamento aprovado. Foram bloqueados mais de R$ 33 milhões dos créditos autorizados da pasta.

  Por comparação: para se promover, se divulgar e fazer propaganda o executivo estadual reservou no período cerca de R$ 147 milhões (menos R$ 30 milhões em 2015).

  O que dá mais de 7 Sepromi(s) juntas. A Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial custa ao governo a mixaria de R$ 6 milhões anuais, além de 30% disso para também gastar em propaganda.

  A Secom-Secretaria de Comunicação, ao peso total de R$ 100,1 milhões (R$ 73,66 milhões para a diretoria geral e R$ 26,5 milhões para o Irdeb – TVE, rádio Educadora etc), teve orçada uma verba de R$ 61,5 milhões a mais para propaganda. No ano vigente tem R$ 92 milhões para farra propagandística.

  Na LOA 2015 (lei orçamentária) a Secom obteve um acréscimo de 5% no seu orçamento geral, embora o Irdeb tenha sido transferido para a esfera da Secretaria de Educação, cuja previsão orçamentária (quase R$ 4 bilhões e 800 milhões) praticamente não se alterou em relação ao ano passado.

  Os dados são dos Demonstrativos Orçamentários Consolidados do Orçamento-2014, de autoria da Seplan (Secretaria de Planejamento), anexos da LOA – Lei orçamentária nº 12.935.

  No elemento despesas com comunicação a Secult teve para gastar em 2014, ano eleitoral, R$ 4.625.000,00.
Neste 2015, se fosse revertido em ações concretas o bombardeio diário, semanas e meses a fio, de releases e inserções com que seu exército brancaleone de assessores ataca a paciência das pessoas, a Cultura na Bahia estaria no melhor dos universos.

  Tudo encheção de linguiça! O secretário jamais foi um bobo, desde os seus tempos de empresário de educação privada. ACM, o patriarca da Rede Bahia ainda vivo, não se incomodou que comandasse um programa semanal em sua TV, retransmissora da Globo.

  Diz na entrevista de seis meses no cargo não haver insatisfação “da classe artística” com o atraso de repasses. Por dois, três anos? Portugal, me faça uma garapa!

  Vossa Excelência, que antes não o era, teve de aderir ao partido da ordem – no qual pongou de mala e cuia nem faz tanto tempo assim. Por convicção ou conveniência, o senhor na hora de acordar é quem sabe. Parece agora ter motivos para se achar satisfeito, mas não elocubre.

Democracia paroquiana.
No clima de caça-às-bruxas comandado por uma nomenklatura arrogante, prepotente, avessa a escutar, que se pensa iluminada pela cartilha pseudoprogressista “de esquerda” (diz ter por guru Antonio Gramsci), quem é louco de afirmar-se independente?

Com tantas contas a pagar, projetos mercantis de “economia criativa”, tão bons como esses de afródomos, carnavais “ouro negro”, viladanças e congressos de diversidades?!

Quem é louco? Para ser retaliado? Incluido na lista branca? Nunca mais ser convidado para ministrar oficinas, workshops, seminários, conferências territoriais, setoriais ou nacionais? Não receber convites para regabofes e maniçobas disso e daquilo no Recôncavo? Olha aí em que se esvai parte considerável do orçamento!

Confrontado com a politicagem paroquiana que se travestiu em política “democrática” dos editais, o Plano Estadual de Cultura é um rosário de boas intenções inúteis.