Classes média e MA de Salvador reféns dos shoppings

Tasso Franco
03/06/2015 às 11:46
 A decisão judicial para que a Prefeitura de Salvador libere o alvará de cobrança de estacionamento de veículos nos shoopings ainda cabe recurso da Procuradoria do Município, mas, parece que a novela está chegando ao final e os consumidores deverão arcar com mais esse custo.

   A cobrança é justa desde que não onere muito o bolso das pessoas. Assim já acontece em várias cidades do país e do mundo. Em Salvador, embora alguns clientes já estejam a reclamar que seria uma bitributação, pois, vão aos shoppings para compras, muitos outros usam esses estacionamentos gratuitos para diversos fins.

   É clássico o exemplo de um professor da UESF, em Feira de Santana, distante da capital 108 km o qual, durante anos, três vezes na semana ia dar aulas na cidade princesa e deixava seu veiculo no estacionameto do Iguatemi. Ia a Feira de ônibus, dava aulas, retornava a capital na Santana e depois pegava seu veiculo no estacionamento do Iguatemi e se deslocava para a Pituba.

   Há centenas de outros exempos citados pelas administradoras dos shoppings. No Barra, há grupos que vão apenas papear todos os dias, outros que fazem cooper, e até aqueles que vão à praia do Farol e deixam seus veiculos no estacionamento do shopping.

   A questão que se coloca, hoje, na capital baiana é onde as classes média e média alta poderiam fazer compras sem ser nos shoppings? 

   Não existem mais esses lugares e essas pessoas - com estacionamento gratuito ou pago - só têm como opções os shoppings. Salvador não tem corredores de comércio de rua como o Rio, nos circuitos Copacabana, Ipanema, Leblon e suas transversais; nem como SP, Augusta, Oscar Freire e transversais e as pessoas estão segregadas nos shoppings.

   Até a década de 1970, essas famílias de maior poder de consumo, se abasteciam de roupas da moda, calçados, bolsas, óculos, produtos de beleza, etc, no circuito entre a Rua Chile e a Avenida Sete. Aí estavam a Sloper, o Adamastor, as Duas Américas,  o Cine Guarany, a Óptica Viúva Neves, as Lojas Maia, Os Gonçalves, o Restaurante Cacique, a livraria Civilização Brasileira e assim por diante.

   Na década de 1970, a cidade deu um pulo. Começou a passar de 1 milhão de habitantes, as avenidas de vale foram abertas e Newton Rique instalou o Shopping Iguatemi num ponto estratégico entre as linhas Sul-Norte-Leste da cidade, suas áreas de expansão e para onde essas classes médias começaram a se deslocar instalando suas residências. A florescente indústria automobilistica também começou entupiar a cidade de veículos.

   Se esses dois centros comerciais (Chile e Av Sete) com alguns consumidores ainda indo à compra de calçados na Baixa dos Sapateiros já estavam dando sinais de decadência, pressionado também pelo nascimento e crescimento de um comércio de rua mais chique na Barra e na Pituba, a chegada do Iguatemi foi a pá de cal que faltava para o sepultamento desses lugares para a classe média ainda endinheirada. 

   A estratégia usada por Visco, o homem de marketing de Rique, não poderia ser melhor: propaganda na TV divulgando um centro de compras integrado, segurança plena, e onde podia se adquirir de tudo e com estacionamento amplo e de graça. 

   Era tudo o que a classe média alta queria: um local para cortar o cabelo, tomar um chopinho, ir ao cinema, comprar uma camisa e passear. O Iguatemi foi um sucesso tão estrondoso que se foi ampliando a cada temporada a ponto de, hoje, ter mais de 500 pontos de vendas em artigos e serviços.

   Com o passar dos anos, os outros foram chegando nas décadas seguintes, o Barra, o Itaigara, o Brotas, Piedade, Center Lapa, Salvador, Paralela, Salvador Norte e ainda tem espaço para mais gente que queira investir nesse ramo.

   Durante anos cortei meu cabelo na Barbearia de Oficial no Campo da Pólvora, com o barbeiro 'Papagaio'. Barbearia se chamava salão; barbeiro de categoria, oficial; e cabeleireiro, barbeiro. Ao lado tinha um botequimo modelo 'pé-sujo' onde a gente bebia uma gelada no pé do balcão, daí o nome. Eu chegava e avisava ao barbeiro se estivesse ocupado: - "Depois aí sou eu. Vou ao lado tomar uma". Minutos depois, 'Papagaio' - bom tocador de banjo - respondia: - Vamos, chegou sua vez.

   Com os shoppings acabaram quase todas essas barbearias do centro. A moda era cortar o cabelo nos shoppings. Virou uma febre e os chamados 'salões' do centro faliram. Restam poucos e teimosos como o Salão Paço do Saldanha, onde eventualmente ainda vou cotar meu cabelo, mas, que tem seus clientes cativos de 30 anos de tesoura como o advogado Graciliano Bomfim. A pouca distante havia o cine Tamoio e alfaitaria de Zé Carnavalesco, ambos fechadas.

   E assim como eu foram milhares de pessoas. Tudo é feito nos shoppings. Colocar uma pilha no relógio, trocar o óculos, comer um quibe, comprar uma beca, chupar um picolé, jogar na loteria, comprar a prestação uma jóia pra esposa, passear, paquerar e tudo mais. Ninguém escapa e a classe C emergente e a D também ocuparam alguns espaços nessas áreas com as lojas populares de miudezas que se instalaram nesses locais.

   A rua Chile, hoje, é um simulacro do que fora. Decadente, sem vida, ainda tem um comércio que resiste, mas, basicamente para atender as classes C e D. O mesmo aconteceu com a Avenida Sete, hoje, um grande mercadão com suas transversais - os becos decorados pela Prefeitura - maior centro de compras das classes C e D. 

   É uma raridade encontar-se uma 'madame' no sentido clássico da palavra na Avenida Sete. Se for, não tem onde parar seu veiculo. Se conseguir parar em algum estacionamento vai ser assaltada, pois, passa a ser uma personagem tão diferente dos normais que chamará a atenção. 
 Da mesma forma, as 'madames' e 'socialites' não podem fazer compras na Manoel Dias da Silva, que poderia ser com corredor de rua em compras da Pituba, porque também serão assaltadas.

   Então, a cidade do Salvador está dessa forma: as classes média e média alta reféns dos shoppings, e agora os seus proprietários já viram que elas não têm para onde ir e precisam pagar para estacionar seus veiculos; e as classes C e D, mais populares, na Av Sete, na Av Joana Angélica e na Baixa dos Sapateiros, que perdeu o posto como centro de vendas de sapatos e passa por momentos de decadência.

   Há ainda o comércio dos bairros na Lima e Silva da Liberdade, na Barão de Cotegipe da Calçada, na Dom João VI de Brotas, no São Caetano, na Marechal e em Cajazeiras, um dos mais populosos bairros da capítal e que vai inaugurar seu grande shopping. 

   É isso aí: se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Acabei de ligar para Vilmar, o cabelereiro, para ir cortar meu 'belouro' no Barra, na Barber City, que chamo a 'barbearia de Pierre'.