Rosane Santana
15/09/2014 às 18:31
Aninha Franco, autora de uma dramaturgia essencialmente baiana, inclusive textos com linguagem e cultura de raízes africanas(Dendê & Dengo, Zumbi dos Palmares e A Comida de Nzinga), uma das nossas matrizes geradoras, disse recentemente que seu teatro tem feito o que a escola pública não realizou em quase dois séculos de Independência. Tem razão.
Num país onde os pilares de construção da cidadania - direitos civis, políticos e sociais - tal qual em nações civilizadas do mundo Ocidental, como a Inglaterra, foram invertidos, gerando o fenômeno da "Estadania" (1), com o Estado autoritário a distribuir punições e favores, os direitos civis, apesar dos avanços, oscilam para a frente e para trás, ao sabor dos governantes de plantão. Prova disso, são os avanços e recuos - estes às vezes maiores - da incessante luta de negros, homossexuais, mulheres e índios por seus direitos, num país profundamente patriarcal.
Isso porque, ao invés de ações geradas em consequência de um processo educacional que cumpra sua função de fomentar espírito crítico, conscientização e auto-estima, entre outras coisas, pela valorização da diversidade e da identidade cultural de que somos portadores, no Brasil, como disse Oliveira Viana, tudo acontece por decreto, de cima para baixo, nasce na lei, desenraizado e, portanto, fadado a ter vida curta e efeitos duvidosos.
Aninha foi buscar na força revolucionária do teatro, como na Era de Ouro de Péricles, na Atenas de Sófocles, Eurípedes e Ésquilo, a forma ideal para educar e formar cidadãos, pelo resgate de sua identidade, no caso específico, africana, sua história e o seu papel central na formação da sociedade e da cultura brasileira.
Seu texto, "A Comida de Nzinga" (co-autoria de Marcos Dias), em cartaz no Teatro Solar Boa Vista no próximo final de semana (19,19 e 20, às 19 horas) é uma prova do que acaba de ser dito. No palco estão 14 atores negros contando a história de uma rainha negra, a guerreira Nzinga, que viveu na localidade de Matamba, no sudoeste da África, onde hoje está Angola, entre os séculos XVI e XVII. Nzinga, cujo nome não está em nenhum livro de história do Brasil, dedicou sua vida à luta contra a escravização de seu povo pelos portugueses.
De fato, é possível notar, numa plateia eminentemente negra em busca de resgatar sua história, sua identidade e sua cultura na mesma dimensão de importância que a cultura europeia teve para a formação do Brasil, uma enorme empatia com tudo que acontece no palco, onde os atores também são negros, os cenários, os costumes, a comida, as histórias têm tudo a ver com eles.
A Nova História chegou ao teatro brasileiro.
Viva Nzinga! Viva Aninha Franco!
(1) Conceito de José Murilo de Carvalho.
Rosane Santana é jornalista