Valdir Barbosa
27/01/2014 às 11:25
Fui nascido e criado num tempo, em que a cultura impunha ser bonito, o costume de um homem fumar e feio o vício - assim considerado à época - de dar. Atrás das portas, sob os muros, nas moitas, enfim, em qualquer lugar onde fosse possível fazer as escondidas, o quanto reprovado pelos ditames da sociedade, naquele idos do pós-segunda guerra. Dantes também.
Obviamente, preconceitos se apegaram ao meu comportamento, capazes de reprovar atitudes de todos quantos decidiam, consoante comentei por longo tempo, falsear o próprio corpo. Argumentos como tais, oportunos aos incapazes de ver o ser humano na sua integralidade, corpo e sentimento, matéria e espírito dominaram por largo período minha limitada consciência, me fazendo crítico de tantos quantos optaram por sua sexualidade, da maneira que lhes pareceu próprio.
Mas, a despeito de viver choques repetidos, portanto, admitindo os impactos fundados nas marcas originais, reconheço o despudor de não respeitar as escolhas do outro, hoje reveladas em cadeia cada vez mais expansiva, na força dos notáveis meios de comunicação estilizados pelos recursos tecnológicos, se sofisticando dia após dia.
Descortinam-se horizontes antes obscuros, são desnudados segredos dos que ontem não assumiam suas preferências e hoje as tem difundidas nos diversos quadrantes sociais, nas cenas da realidade culminando em paradas públicas, a reunir milhões de pessoas, onde todos mostram seu rostos sem medo, inspirando a arte e levados às telas dos cinemas, aos capítulos das novelas de sucesso.
Enquanto fugia da casa dos quarenta partindo no rumo dos mares cinquentenários, em seguida sexagenários, onde agora vivo mergulhado meditava sobre minha reprovação, em falsear o próprio corpo. Então pude considerar sobre a questão de quebrar paradigmas, mas, sobretudo, acerca de romper definitivamente com as amarras da hipocrisia.
Mesmo porque, a simples e corrosível capa que abriga o interior de todos os viventes é incapaz de mostrar, o que se esconde no íntimo de cada um deles, o quanto revela seu ser psíquico, mas, sobretudo, quais os segredos abrigados no ente etéreo de todos nós, capaz de carregar impressões, manifestar desejos, observar nuances peculiares de um tempo remoto que se foi.
Então creio não ser correta a assertiva - falsear o próprio corpo - e entendo que feio mesmo é caminhar numa estrada feita de mentiras, submergir no pantanal do fingimento, voar num céu gris mostrando a face cínica do ser hipócrita. Assim como são os discursos eloquentes, da grande maioria dos postulantes a cargos eletivos, hoje emplumando suas asas frente a uma campanha que se avizinha.
No decorrer do tempo sucedâneo aos sufrágios, nada se vê de verdadeiro na falácia derramada em forma de discurso, quando na campanha. Passado o pleito, ao invés das realizações de tanto quanto prometido, surge o oposto. Buscando exemplo local afirmo: Entra-se de sola, numa saúde que resulta falida; faz-se da segurança um grande lago de incertezas, onde se vive a ver navios afundando; calendários descumpridos, professores insatisfeitos e despreparados perpetram na educação um caos; restauram-se, como se alardeia na cara propaganda, as estradas, posto voltam ao estado original, apenas pó; enfim, quem devia levar o estado à frente, fica de “costa” para a Bahia.
Mas, quero mesmo falar é de Thiago. Delegado de Polícia em Goiás, depois de período licenciado, volta Laura. A delegacia especializada daquele estado que cuida dos crimes praticados contra a mulher, deve receber um reforço nos quadros, com seu concurso. Cirurgia lhe transforma o sexo e legalmente passa ele, a ser ela, com todos os trejeitos, direitos e traços exteriores do gênero. Corajosamente assumiu o eu interior.
Aplaudo sua decisão e felicito sua coragem de ostentar sem reservas, de forma radical, as verdades guardadas em si próprio, durante décadas, na medida em que carece a sociedade de pessoas dispostas a romper véus e mostrar suas caras sublimando o primado da verdade, tão sumida na postura dos homens, mulheres e de tantos que se dizem tais, nestes nossos tempos.
Apenas a transparência revelará os genuínos, diante dos maculados, as marílias escondidas nos dirceus. Só a verdade poderá enxotar do meio social os hipócritas, vendilhões de templos, estádios e obras superfaturadas; os indignos, que proclamam o que não fazem, que prometem o que não cumprem, que realizam maximizando no poder, tudo quanto contestaram enquanto oposição.
Carece sejam desmascarados os messiânicos, com sinais exteriores de riqueza, seus e dos seus próximos emergindo meteoricamente, depois de suas ascensões. Os operários e piqueteiros de um ontem próximo, agora instalados, de carreirinha, em luxuosos apartamentos cantando vitória precisam explicar estes milagres, da multiplicação de suas posses.
Mas, voltando ao assunto principal, me preocupa apenas, caso outros tantos colegas - Delegados - decidam imitar o gesto de Thiago - agora Laura - existam vagas nas Delegacias da Mulher para lhes abrigar. Resíduo do preconceito. Convivi nos anos tantos e já se vão quase quarenta, desde que assumi minha primeira delegacia, com mulheres policiais competentes e eficientes atuando em todas as searas da segurança publica, responsáveis por fazer da policia civil baiana, onde são 44 % do efetivo, senão a melhor, uma das melhores e mais conceituadas do Brasil.
Discordo do grande Samuel Celestino, quando disse esta semana que a polícia civil acabou. Apenas hiberna forçosamente no colo de quem não tem capacidade. Entendo vivamos um momento ruim na segurança pública do estado, mas, não por culpa de seus profissionais das duas polícias. Falta gestão, falta comando. Comenta-se que a manutenção do titular da pasta, depois de tantos fiascos, tem razões impublicáveis. Não sei, apenas digo daquilo que sei, mas, não nego do comento.
Manchetes de hoje: “Bandidos Fazem 50 Reféns em Hiper Bom Preço de Shopping”. “Caixas são explodidos em mais duas cidades. Das 14 ações do tipo este ano na Bahia, 12 ocorreram no interior”. Confio, contudo, que emergiremos deste mar morto.
Tornando a elas, sei que olvidarei muitas, mas, cito algumas do meu tempo, baluartes da casa, assim como tantas que lhes sucederam: Isolda, Antonia, Walquiria, Edilamar, Purificação, Tania, Celeste, Emilia, Katia. Lembro também, as sete mulheres do Depom atual, Jussara, Cristina, Marjorie, Rosimar, Albertina e Eliane, capitaneadas por Iracema, irmã de Isabel, grandes amigas, desde o tempo do Garcia; das sindicalistas atuantes, Soraia, Janaina, Patricia, Marta, Rosemilia, Heloisa.
Mas, tinha mesmo é que falar de Laura. Para ela estes escritos. Porém, não consigo deixar de ser prolixo, como diz Roberta. Ela me chama. Volto aos seus abraços, na manhã de um sábado ensolarado findando as férias. Fecho então minha primeira produção deste ano e assim, do fundo de meu incorrigível preconceito residual, arremato com o título.
Macho mesmo é Thiago: Ou seria Laura?