Tasso Franco
02/10/2013 às 10:03
Na segunda metade dos anos 1970, Jorge Calmon, então redator chefe de A Tarde, convidou-me para fazer uma coluna carnavalesca na fase do pré-Momo e organizar a edição especial do evento que saia na quarta-feira de cinzas. Eu fazia frila no jornal, textos sobre economia e política, e fiquei com essa missão de cuidar do Carnaval, Jorge achando que precisaria renovar a pessoa que atuava nesse espaço.
Acompanhei a evolução do Carnaval que se trieletrizou, ainda sem a axé-music, com Dodô & Osmar, Orlando Tapajós, Moraes Moreira, Caetano Veloso, Marcionilio, Missinho, Baby Consuelo, Moa do Catendê, etc, então as estrelas da festa. E também o surgimento dos novos blocos pós a safra de Os Internacionais, de Os Corujas, de Os Apaches, dos Ilê Ayê e Oldoum, etc, a renovação dos afoxés com Gilberto Gil à frente e toda essa mudança que desagou na axé, no pagode, nos blocos de samba, no afrobaianês sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1980.
No inicio dessa década (1980/1990), conheci Bel Marques na redação de A Tarde. Bell aparecia no jornal como todo iniciante na carreira musical para divulgar "seu peixe", literalmente, trazendo consigo os "bolachões" dos seus novos elepês e da caminhada que se iniciava na banda Chiclete com Banana. Caminhada lenta, de muito trabalho, organização, profissionalismo e dedicação dos músicos que integraram esse grupo.
Os tempos eram outros: não havia internet, nem redes sociais, e poucos eram os artistas que possuiam uma assessoria de imprensa. Dos impressos, A Tarde era o mais importante veículo de difusão das bandas, e mais as emissoras de rádios e as de TV.
Lembro também quando a Chiclete foi a Serrinha tocar na ACS, numa quadra de volei, numa noite fria, devia ter umas 600 pessoas no clube, tocata de banda iniciante e por amizade a Aurinha Nogueira, mãe de uma das meninas que se casaram com um dos Marques. Creio que foi aí que ouvi pela primeira vez seu maior hit (Tiete do Chiclete) que completa 30 carnavais, em 2014.
Também não saberia precisar quando foi que a Chiclete deu o "pulo do gato" e passou a ser considerada a melhor da Bahia, com todo respeito às demais, porque tinha o diferencial da vibração, da levada produzida por Bell na batida de sua guitarra, da potencia do som e das músicas fáceis de serem gravadas pelo público.
Nessa fase posterior a Moraes e Caetano, os quais reinaram muitos anos na Praça Castro Alves e eram as grandes atrações do Carnaval, décadas de 1960/1970, a Chiclete com Banana veio ocupar esse espaço e se transformou num fenômeno, tanto que muitos foliões só iam à rua para ver, ouvir e quem tinha pique acompanhar a Chiclete.
O diferencial era tão grande para as demais bandas que, acompanhar a Chiclete, se transformou numa "lenda", só para aqueles que, de fato tinham saúde física (literal) e animação. Era tanta vibração (e confusão) nas passagens da Chiclete que virou "case" de preocupação da PM. As porradas nas levadas da Chiclete são parte da história carnavalesca.
Lembro, também, já folião na Barra nos anos 1990, que ficavamos um grupo enorme no espaço do Posto de Gasolina junto ao Clube Espanhol só esperando a Chiclete. Passava uma, passava outra banda, a galera ia tomando umas e outras, mas quando a Chiclete aparecia na ponta do Morro do Cristo, nosso astral se modificava, era uma alegria enorme e quando a banda chegava dáva-se o delírio, não só conosco, mas também com o povão.
Esse é um fenômeno sociológico curioso porque a Chiclete é uma banda da elite, da mais endinheirada, da baianada e dos turistas, mas, ainda assim, é uma banda adorada pelo povão. A "pipoca" da Chiclete é famosa por conduzir, no seu entorno, o que, popularmente se chama de "a torcida do Bahêa".
A Chiclete deixa um legado enorme para os foliões baianos. Criou uma legião "os (as) chicleteiros (as)" difnudiu a música axé para todo país, eternizou o bloco Camaleão, e pretende se manter sem Bell. Mas, uma coisa parece consensual, com Bell é uma coisa e sem Bell outra.
Bell inspirou a criação de inúmeros "clones" à sua personalidade carnavalesca, nunca se "papagaiou" ou se "fantasiou" para os carnavais como vários outros artistas fizeram e ainda fazem, e quem vê aquele senhor que chega aos 60 anos de idade de bermuda e bandana, está olhando o mesmo Bell dos anos 1980/1990, com a mesma força de sua música.
Ainda é prematuro dizer o que vai acontecer doravante com a carreira deste cantor. O Carnaval é uma máquina de moer ídolos e bandas. É só lembrar do recente fenômeno que foi o Motumbá e praticamente desapareceu do circuito da capital. A vida de um cantor isolado historicamente de uma banda também é diferenciada. Que o diga Tatau e sua carreira solo, o marketing de Larrisa e a volta do cantor ao AraKetu.
Poderia arriscar que a Chiclete sem Bell tem a tendência de afundar. E Bell sem a Chiclete só aguardando pra ver.