Tasso Franco
26/08/2013 às 08:57
Dando sequência a artigos sobre a Independência da Bahia, hoje, vamos falar da "heroina" Joana Angélica. Um arranjo da historiografia baiana, um pouco melhor do que a de Maria Felipa, esta uma peça de ficção da pena de Ubaldo Osório, avô de João Ubaldo Ribeiro. O caso de Joana Angélica é sintomático da falta de apuro dos historiadores baianos que a relaciona como heroina das lutas pela independência, em 1823.
O Brasil foi proclamado Reino Unido a Portugal e Algarves com Dom João sendo proclamado rei dos dos países e tomando posse em 6 de fevereiro de 1818, com a morte de dona Maria, a louca. A Bahia (Salvador) festejou o acontecimento em sessão solene na Câmara de Vereadores e enviou a Corte no Rio os vereadores Manuel José de Oliveira Borges e Pedro Betâmio para apresentarem ao soberano as homenagens da cidade, demonstração de lealdade e vassalagem. No ato da sagração, a Bahia esteve representada por Frederico Caldeira Brant Pontes e pelo vereador José de Matos Ferreira Lucena.
Era uma situação bastante curiosa porque o Brasil, que tinha sido colônia por mais de 250 anos, de repente, era a cabeça do reino restaurado em Portugal após a fuga da familia real para o Brasil, em 1808. Dom João foi pressionado pelos constitucionalista do Porto a retornar a Portugal sob pena de extinguir a Casa de Bragança. Tentou enviar Dom Pedro para uma solução negociada, mas, este, disse que não iria. Dom João então retorna a Portugal em 25 de abril de 1821.
No Brasil, claro, também prosperaram ideias mais liberais e republicanas. Havia estourado uma Revolução em Pernambuco, 1817, e temia retornar à condição de Colônia. Dom Pedro (filho de dom João) foi nomeado Pacificador do Reino em 18 de fevereiro de 1821 quando convocou as Câmaras de Vereadores para nomearem seus procuradores, os quais, reunidos no Rio, examinariam a nova Constituição e a adaptariam ao Brasil, através de leis suplementares.
No dia 3 de setembro deste mesmo ano foram eleitos os deputados da Bahia à Corte: o padre Francisco Agostinho Gomes, José Lino Coutinho, Pedro Rodrigues Bandeira, Cipriano José Barata de Almeida, Domingos Borges de Barros, Luis Paulino de Oliveira Pinto de França, Alexandre Gomes Ferrão, vigário Marcos Antonio de Souza. Representavam a elite e os resultados desse pleito irritaram os reinós (natural do Reino, os portugueses de origem).
A partir de 1º de novembro panfletos foram distribuidos na cidade insuflando a população a destituir os eleitos. Dia 2 novembro, um grupo de paisanos e militares, entre os quais, se encontravam os tenentes-coronéis José Egídio de Barbuda e Felisberto Gomes Caldeira se aproximaram do corpo da guarda do Palácio dando "vivas a Constituição" e "abaixo o governo". Repelidos à força, ocuparam a Câmara de Vereadores. O comandante em armas Moura Cabral marchou batalhões em direção a Câmara e prendeu todo mundo, incluindo Barbuda, Gomes Caldeira e o major José Maria Torres sendo tranficados no Forte do Barbalho.
As Cortes determinaram eleições livres para os governos provinciais em 31 de janeiro de 1822. Para a Bahia foram eleitos Francisco Vicente Viana, presidente; desembargador Francisco Carneiro de Campos, secretário; e como membros efetivos da junta Francisco Martins da Costa, Francisco Elesbão Pires de Carvalho e Albuquerque, ten-cel Manuel Inácio da Cunha Menezes e o desembargador Antonio da Silva Teles.
Esse grupo era de tendência nacionalista. Aboliu a censura e manteve o brigadeiro Manuel Pedro, no comando das tropas. Nesse momento, chega a Salvador a notícia da Carta Régia de 9 de dezembro de 1821 nomeando o então inspetor das tropas, brigadeiro Inácio Luiz Madeira de Melo, como comandante das Armas do Brasil. Dia 16 de fevereiro de 1822, Madeira apresentou à Câmara de Vereadores o pedido do registro de sua nomeação, e esta recusou a fazê-lo. Madeira reagiu com apoio dos comandantes dos corpos de 1ª e 2ª linhas.
A cidade entrou em clima tenso e a Junta tentou pacificar os ânimos reunindo os dois comandantes (Manuel Pedro e Maderia de Melo) para adotar uma posição conciliatória. Madeira, temendo uma guerra civil, topou um acordo desde que "não lhe atingisse os vencimentos, nem o privasse do título de governador das armas", diz o historiador Affonso Ruy.
Criou-se, então, um junta militar composta por sete membros, com Madeira presidindo e Manuel Pedro governador interino. No dia 19, deu-se um choque de patrulhas dos dois chefes militares na Praça da Piedade. Foi o rastilho para generalização de conflitos. As forças brasileiras desnorteadas com a dispersão do 1º Regimento, cujo quartel foi invadido e saqueado pelo Batalhão 12, constituido por portugueses numericamente maiores, recolheram-se à Fortaleza de São Pedro.
A cidade viveu momentos de pânico e euforia com soldados portugueses sendo vistos embriagados insultando famílias e saqueando casas comerciais. É exatamente neste data (19 fev 1822) que soldados tentam invadir o Convento da Lapa e matam a Soror Joana Angélica de Jesus, na porta da clausura, e deixam o capelão Daniel da Silva Lisboa desacordado com uma coronhada.
Conta o historiador Melo Morais em sua História do Brasil reino e Brasil império - vol 1, pág 129, que essa tropa lusitana sob o comando do major Serrão, em ato de vingança e de rapina, invadiu a casa do professor José Bento, tendo recebido nas véspesas dos acontecimentos dos dias anteriores alguns centos de mil reis, invade a casa do pobre velho, assassina-o e rouba-lhe o dinheiro. É esse mesmo grupo da soldadesca que tenta roubar as economias das freiras do Convento da Lapa quando a abadessa os atende com uma bolsa de dinheiro, mas, o proibe de entrar na clausura e é assassinada.
A luta segue. Madeira dá intimato aos aquartelados e ocupa a fortaleza prendendo o comandante Manuel Pedro, o ten-cel Bernardino Alvares de Araújo e o capitão João Simões. Esses acontecimentos repercutem em Lisboa e os deputados às cortes da Bahia propõem as Câmaras se conviria manter a representação junto a Lisboa ou não. Esse desejo de liberdade se espairou e a Vila de São Francisco respondeu a 14 de junho pela libertação de Portugal. Depois a Câmara de Santo Amaro e no dia 24 de junho a Câmara de Cachoeira foi mais ousada aclamou dom Pedro defensor Perpétuo do Brasil. A agitação na capital aumentou e o principe regente ordenou que Madeira retornasse a Lisboa dia 25 de julho. Madeira desobedeceu.
A partir daí, a cidade iria sofrer o cerco do Exército Pacificador armado e comandado por homens do Recôncavo, senhores do dinheiro prejudicados com a situação. Dom Pedro se proclama imperador do Brasil em 7 de setembro de 1822 e manda para a Bahia, o general Pedro Labatut (para comandar as tropas de terra) e o almirande Thomas Crockrane (armada).
Os conflitos se prolongam até 2 de Julho de 1823 quando Madeira depois de tentar romper sem êxito o cerco de Cabrito e Pirajá, põe suas tropas e demais portuguesas que quiseram retornnar a Lisboa, em 88 naus, e zarpam sem sofrer baixas nesta data.
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* Primeiro Ponto: Até 1821, salvo a Revolta dos Alfaiates, a Conjuração Baiana de 1798, não se falava num Brasil indepente e sim na obediência (vassagem) a Corte ainda instalada no Rio. Com a volta de Dom João, em 25 de abril de 1821, as coisas mudaram. A disputa dos poderes nas provincias, além de controlar o poder em sí da elite, dos homens de negócios, falava-se em libertação de Portugal.
* Segundo ponto: Joana Angélica é assassinada em 19 de fevereiro de 1822, dom Pedro ainda não havia dado o "Grito do Ipiranga" (7/set/1822) e as lutas pela independência da Bahia, ainda que poucas, só aconteceram a partir de setembro de 1822 e mais no ano de 1823.
* Terceiro ponto: Joana Angélica não era uma revolucioinária, nunca escreveu sequer um panfleto pela independência e sua morte foi apenas casual.