Rosane Santana
23/01/2013 às 10:39
Sustentados por polpudas diárias, motoristas e carros à disposição, centenas de prefeitos da Bahia – recém eleitos ou reeleitos - reúnem-se nesta quarta-feira, 23, em Salvador, para eleger o presidente da União das Prefeituras da Bahia (UPB), deixando para trás um rastro de desmandos e desgoverno em seus municípios, para se dedicar a questões políticas, de olho nas eleições estaduais de 2014. Lembrando o historiador marxista Eric Hobsbawm, recentemente falecido: “entre as eleições – ou seja, por vários anos normalmente – a democracia existe apenas como ameaça potencial à sua reeleição ou a de seus partidos.”
As análises sobre o mandonismo, clientelismo, corrupção e política, nos municípios brasileiros, encheriam bibliotecas de todo o mundo. Por isso, não me deterei em nenhuma delas.
É mais ou menos consensual a ideia de que a colonização do território português na América, a partir do século XVI, baseou-se numa relação de troca de favores entre a Coroa e particulares, recebendo, estes, benefícios para compensar feitos militares e expedições exploradoras – o enfrentamento do indígena, a penetração nos sertões e a exploração aurífera etc. Terras, cargos, rendas e títulos nobiliárquicos eram doados a particulares engajados nos projetos do Estado Português.
Depois de trezentos anos de colonização e quase duzentos de independência, numa suposta República democrática, constitucional e moderna, o poder público brasileiro continua a manter as práticas dos primeiros tempos.
A confusão entre público e privado é a tônica em todos os níveis da administração, especialmente nos médios e pequenos municípios, onde os órgãos de fiscalização, por falta de estrutura e/ou interesse político, não conseguem manter uma atuação regular, eficaz. Não há democracia no sentido empregado por Norberto Bobbio, “Poder em público”, donde decorre a necessidade de transparência e prestação de contas do dinheiro público, e a ausência de uma imprensa profissional, para denunciar os desmandos, de extrema gravidade, que vêm ocorrendo, contribuem para que tudo fique no esquecimento.
Sobre isto, vale lembrar, mais uma vez, as recentíssimas lições do historiador marxista Eric Hobsbawm – gigante intelectual do século XX -, ao afirmar que a imprensa ocupa o papel da cidadania, num momento em que o Estado absorve os valores de mercado, transformando cidadãos em consumidores. “As manchetes e, mais ainda, as irresistíveis imagens de televisão são o objetivo imediato de todas as campanhas políticas, porque são muito mais efetivas do que a mobilização de dezenas de milhares de pessoas”, diz o historiador.
Não resta dúvida. Sob tal perspectiva, a região Nordeste, historicamente enfrentando sérios problemas econômicos, de analfabetismo, e sem uma indústria de transformação consolidada, não dispõe de uma imprensa forte, estando, por isso mesmo, mais vulnerável em relação à necessária fiscalização do poder público, num contexto em que o analfabetismo é bastante acentuado, e os tribunais de contas da União, dos Estados e dos Municípios, submetidos a interesses políticos, na maioria das vezes, além de subordinados ao Poder Legislativo, nos três níveis da Federação, nada, efetivamente, podem ou querem fazer.
Tome-se, como exemplo, o município de Caravelas, no Extremo Sul do Estado, com 19 mil habitantes, cerca de cinco mil deles no núcleo urbano, local onde me encontro.
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Outdoors espalhados no entrocamento das rodovias entre este município, o de Prado, Teixeira de Freitas e Alcobaça anunciam o CarnaBarra – festa na principal praia local-, no dia 28 de janeiro, com a contratação de bandas e artistas de fora, ignorando-se a desnecessidade de tal festa, haja vista a proximidade do Carnaval e a suposta falta de recursos públicos. Surpresa total! E por quê? Enquanto isso, em Caravelas, há mais de seis meses, os postos de saúde estão abandonados, e não se encontra um médico de qualquer especialidade.
Casos graves são encaminhados pelo Samur, quando há disponibilidade de motoristas, para Teixeira de Freitas, havendo problemas de extrema gravidade, como tentativas de suicídio, há cerca de um mês, tratados por enfermeiros e por médicos, via telefone, devido à falta de ambulância e profissionais habilitados na localidade.
E não é só. Recentemente, o Hospital Regional de Caravelas pediu ajuda aos moradores para pagar a alimentação dos pacientes. A população, formada em grande parte por idosos, está em pânico, temendo represálias em caso de manifestação.
Para completar, nesta madrugada, a chuva provocou alagamento em várias casas do Centro Histórico, destruindo móveis e objetos de moradores, por falta de manutenção da rede pluvial pela prefeitura. Quem procurou ajuda na Secretaria de Obras e no Gabinete do Prefeito, onde, nesta terça-feira pela manhã, 22 de janeiro, uma decoradora providenciava reformas, ouviu que nada poderia ser feito por falta de equipamento adequado e que, talvez, na próxima semana, uma solução para o problema seria encontrada. O tempo continua chuvoso, por isso, o estrago, até lá, será enorme para os moradores, prevê-se.
O prefeito Jadson Ruas (PDT), agora reeleito, sobre o qual pairam denúncias de enriquecimento ilícito, assumiu depois da desistência do prefeito Luis Delgado, o Loló, do qual era vice, no final de 2011. Com menos de 30 anos de idade, era afilhado político do ex-prefeito Luis Henrique dos Santos e, por indicação deste, filiado ao PDT, comandado, de fato, pelo presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, Marcelo Nilo, que lá esteve na primeira posse e, no final do ano passado, para declarar-se candidato a governador a Bahia, com apoio de Jaques Wagner.
A administração de Jadson Ruas, de aproximadamente um ano, é fortemente marcada por denúncias de corrupção. Licitação, através da Secretaria de Turismo, no valor de dois milhões de reais, para divulgar o município, não se sabe onde. Pagamento de R$ 600 mil reais a empresa de ônibus de transporte escolar, que seria de sua propriedade, durante as férias de janeiro de 2012, enquanto alunos universitários dispõem de transporte precário e ineficiente.
Denúncia de malversação de recursos públicos, na reforma de um posto de saúde – objeto de investigação do Ministério Público – que teria custado R$ 1 milhão, quando não chegaria a 50 mil reais. O Tribunal de Contas dos Municípios, órgão auxiliar do Poder Legislativo Estadual, não diz a que veio, ou não é pública sua manifestação até o presente momento.
Problemas como o de Caravelas multiplicam-se nos municípios baianos sem qualquer solução à vista. Seria salutar que suas excelências, hoje reunidas, deixando de lado a vaidade e os interesses políticos, passassem a governar, de fato, suas cidades, prestando contas à população que os elegeu, porque certamente recursos sobram, haja vista os gastos com festas de todo o tipo, farra com o dinheiro público que precisa ser barrada, urgentemente. Faltam seriedade, competência e vontade de trabalhar.
***Rosane Santana é jornalista e professora universitária. É graduada em Jornalismo e mestre em História Social pela UFBA. Cursa Licenciatura em História na UNEB.