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A instrumentação da máquina publica era maquinada nos palácios |
A instrumentalização da máquina pública, para garantir a vitória dos aliados do governo nas eleições em troca de sustentação ao poder central, foi um dos aspectos mais marcantes da política brasileira, durante o Império, no século XIX. A distribuição de cargos, a substituição de juízes nas localidades, o aumento dos salários dos servidores e a nomeação de novos presidentes de província - aos quais cabia comandar com mão-de-ferro o processo eleitoral - representaram verdadeiros rituais, repetidos a cada eleição, durante o Segundo Reinado (1840-1889).
O brasilianista Richard Graham ("Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX") observou que a troca de favores entre o governo central e suas clientelas locais e regionais foi o caminho encontrado para a realização de eleições pacíficas, sem uso da força.
A distribuição de cargos públicos, inclusive para cooptação de lideranças-chave da oposição, garantia a ordem e assegurava uma aparência de legalidade ao processo eleitoral, possibilitando a inserção do País no contexto das nações civilizadas, como pregavam os ideólogos liberais da época.
"O gabinete esforçava-se nomeando presidentes (de província) e chefes de polícia de sua confiança, removendo juízes de direito e dando as comarcas aos seus protegidos, demitindo alguns empregados, reintegrando outros [...] procedendo a todos os atos preparatórios necessários ao bom êxito da eleição", descreve Graham. O presidente da província - nomeado pelo governo central- era uma figura estratégica no processo eleitoral, cabendo a ele garantir a vitória dos aliados.
Com o poder de afastar, substituir e até determinar a aposentadoria antecipada de juízes, o presidente trabalhava em sintonia com os chefes locais, para assegurar o êxito das forças afinadas com o governo imperial no município, onde as eleições eram as primeiras a serem realizadas.
A vitória do governo no pleito municipal era um trunfo decisivo para o sucesso das eleições provinciais e gerais. Isso porque, até 1881 quando a eleição passou a ser direta, competia às autoridades que controlavam o município - vereadores, juízes etc.- a tarefa de comandar o processo de qualificação dos votantes (elaboração da lista com o nome de quem podia votar em primeiro grau), encarregados da escolha dos eleitores de segundo grau. Estes elegiam os deputados e senadores.
Disputas encarniçadas entre facções rivais chegavam a limites extremos, com tumultos, brigas e mortes, no vale tudo pelo domínio municipal. Era comum a participação de capangas a serviço dos chefes locais, num clima de violência e fraude que se estendeu por toda a República Velha (1889-1930) e, em alguns municípios, até um passado próximo.
Quando havia equilíbrio entre forças adversárias, vencia aquela que contava com o apoio das autoridades em nível provincial ou central. Em troca de algum favor do governo, o que quase sempre significava a nomeação para um cargo público, o mandatário local atuava como "agente de eleições", como registrou o deputado Francisco Belisário ("O Sistema Eleitoral no Império").
A prática de favorecimento estava disseminada por todos os escalões e esferas governamentais, através da nomeação de apadrinhados para a burocracia. Entre os cargos mais requisitados, pelo poder e vantagens que conferiam a seus titulares, estavam os de juiz (de direito, municipal, de órfãos etc.) desembargador, promotor, escrivão e tabelião, na área judicial, e tesoureiro, nos governos central, provincial e local.
A troca deliberada de favores fazia parte da cultura política e não havia quem ganhasse uma eleição sem o "toma lá da cá" fomentado pela instrumentalização da máquina pública. O processo foi facilitado por D. Pedro II, ao permitir que fossem negligenciadas as qualificações dos indicados para cargos de confiança, num país onde cerca de 90% da população era analfabeta. No alvorecer do século XXI, a troca de favores permanece como uma das práticas mais marcantes da política brasileira.