Rosane Santana
29/07/2012 às 13:01
Foto: MAZE |
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Alguns candidtos necessitam de reforço escolar para desempenho dos mandatos |
Dos 469.437 candidatos a prefeito, vice-prefeitos e vereadores que concorrem às eleições municipais este ano no Brasil, cerca de 40% são analfabetos, analfabetos funcionais (leem e escrevem apenas) ou possuem ensino fundamental. O mesmo percentual, aproximadamente, concluiu o ensino médio e apenas 20% têm curso superior, segundo dados divulgados na última semana pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A baixa escolaridade da maioria dos prefeitos e vereadores (servidores com funções de caráter político na administração pública, como fixação de diretrizes e definição de programas de ação governamental), a ausência de educação formal e até o analfabetismo entre eles respondem, em parte, pela desorganização administrativa dos municípios brasileiros, entraves no desempenho dos governos, má aplicação de recursos e subdesenvolvimento econômico e social.
Uma solução para o problema, que também afeta servidores em sentido estrito (agentes administrativos), foi tentada depois da Revolução de 1930, a partir da criação dos departamentos de municipalidades, com competência para prestar assistência técnica às prefeituras. Posteriormente, entretanto, devido ao envolvimento direto com a comunidade, esses órgãos acabariam por absorver funções de natureza política, prejudicando suas atribuições nucleares, como registrou Vitor Nunes Leal no livro, "Coronelismo, enxada e voto".
Falta de servidores qualificados e aptos para o exercício das funções públicas sempre foi um dos maiores entraves à implantação do Estado no Brasil, no século XIX, principalmente em nível local. Esta foi uma das alegações dos construtores do Império para a defesa da centralização administrativa, num país recém-emancipado, com 90% da população analfabeta porque Portugal proibira a implantação de escolas na América Portuguesa nos 300 anos de colonização.
Um deles, o conservador Paulino José Soares de Souza, que participou ativamente das reformas na legislação descentralizadora da Regência, em 1837, na Câmara dos Deputados, escreveria mais tarde no livro, "Ensaio sobre Direito Administrativo": [...] o poder central administra melhor as localidades, quando estas são ignorantes e semibárbaras e aquele ilustrado [...] Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, Paulino José Soares de Souza integrava um círculo reduzido da elite política do Império, no qual se incluíam ainda representantes da alta hierarquia eclesiástica, padres e médicos, que ocupavam cargos nos governos central, provincial e no Poder Legislativo. "Uma ilha de letrados num mar de analfabetos", escreveu o cientista político José Murilo de Carvalho.
Encarregadas de fiscalizar as finanças das Câmaras Municipais, controladas pelos proprietários de terra - muitos deles analfabetos - às quais competia o governo das vilas e distritos, as Assembleias Provinciais instaladas a partir de 1835, durante a Regência, em todo o país, reclamavam da falta de pessoal qualificado para executar as tarefas burocráticas exigidas por lei nos municípios.
A Câmara da Vila de Jaguaripe teve suas contas devolvidas pelo poder legislativo provincial no período: [...] em consequência da maneira irregular em que se acham escrituradas é de parecer que se reenviem à predita Câmara os Livros e mais papéis a fim de que sejam novamente organizadas na forma da citada Resolução e que por notável falta seja a Câmara Municipal multada em 40 mil réis [...] (ATA da sessão de 22/05/1835.Livros 205-206. Seção Legislativa.APEBA).
Em 1836, o deputado provincial pela Bahia Manuel Fulgêncio de Figueiredo, proprietário rural e oficial da Guarda Nacional, propôs a nomeação de bacharéis pelo presidente da província para formar culpa, conceder ou negar fiança e presidir as juntas de paz, entre outras alegações, pois [...] os juízes de órfãos e municipais nomeados precisamente entre os munícipes vêm quase todos a ser da classe menos instruída porque na grande parte dos municípios não existem pessoas aptas [...] (PROJETO nº69.Maço 863,p.267. Seção Legislativa.APEBA).
Quase 200 anos depois da Independência, no Brasil do século XXI a falta de pessoal qualificado para o exercício de cargos públicos, principalmente em nível municipal, ainda constitui um desafio para o Estado e a evolução econômica, política e social do país.