Rosane Santana
18/07/2012 às 07:01
Em fevereiro de 2011, a Câmara Municipal da localidade de Estreito, pequeno município a 750 Km de São Luis, capital do Maranhão, na região Nordeste do Brasil, teve todos os nove vereadores afastados por 180 dias, após denúncia do Ministério Público de desvio de recursos municipais no valor de R$ 198 mil, rateado igualmente entre eles.
Casos como esse se multiplicaram, nos últimos anos, recolocando essas instituições no centro do debate sobre corrupção, especialmente neste momento em que o país se prepara para eleger 5.070 vereadores a mais do que nas eleições municipais de 2008, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) recém-divulgados.
Ao referir-se à atuação das Câmaras Municipais, em artigo publicado recentemente na Folha de São Paulo (edição de 08/07/2012), o articulista Jânio de Freitas foi enfático: ..."as Câmaras Municipais são a fonte da desgraceira política que vai galgando, a partir dali, como trepadeira venenosa, as alturas legislativas -Assembleias Estaduais, Câmara dos Deputados, Senado da República. E destes também para os ramos de governo."
O britânico Anthony Giddens, um dos mais eminentes sociólogos da atualidade, explica que a globalização, acelerada pela revolução tecnológica a partir dos anos 60 do século XX, ao promover a expansão da democracia em tempo real, põe em xeque as estruturas tradicionais de poder, entre as quais as Casas Legislativas, acima citadas, levando-as a perder influência. Nesse vácuo ocasionado pela perda de autoridade, surgem as denúncias de corrupção.
"Não é por acaso que houve tantos escândalos de corrupção na política pelo mundo afora nos últimos anos. Do Japão à Alemanha, França e EUA ao Reino Unido, casos de corrupção foram notícia", observa Giddens (Mundo em descontrole pp 77-91).
De fato. No caso brasileiro, uma retrospectiva baseada em farta documentação mostra que a corrupção é fenômeno histórico, somente agora revelado com muita intensidade. Vejamos alguns exemplos, nas Câmaras Municipais, a partir dos primeiros anos da construção do Estado nacional, nos oitocentos, quando essas instituições foram submetidas a um maior controle pelo poder central.
Entre 1833-1834, no século XIX, o presidente da província da Bahia, Francisco de Souza Martins, mandou suspender todos os vereadores da Câmara Municipal de Salvador, por conta de um desfalque nas contas da instituição, "[...] considerando que a tolerância de tantos abusos, se tornará demasiado danosa a subordinação das autoridades subalternas e das outras Câmaras da Província, que com tal exemplo se julgarão também irresponsáveis [...]"(RUY, Affonso. História Política e Administrativa da Cidade do Salvador. pp 514-15).
A Câmara Municipal de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano, no mesmo período, foi instada a prestar contas de recursos recebidos dos cofres provinciais para a construção de cadeias: "[...]resta apenas que a Câmara satisfaça a outra exigência da demonstração positiva da aplicação que tivera a quantidade de 1.200 réis recebidos da Tesouraria para a construção de cadeias, que diz a Câmara ter entregue a Máximo Pereira Pita arrematante da obra a qual ainda se acha por concluir-se [...]"(Ata da sessão de 24/03/1835.Livros 205-206.Seção Legislativa.APEBA).
Para muitos estudiosos da evolução política do Brasil, os desvios do poder público nascem com o mandonismo local dos proprietários de terra, no primeiro século e meio da colonização, quando se misturam negócios particulares e privados no governo das Câmaras Municipais - unidade administrativa mais importante da colônia. A socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz documenta fartamente o fenômeno no clássico "O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira".
A prática continua, depois da Independência, já no século XIX, época em que os proprietários rurais ocupam outras instituições de representação política e órgãos públicos nas esferas provincial e central do Estado nascente. Muitos dos traços econômicos e políticos daquele período permanecem até os dias de hoje.
No Brasil, além da globalização apontada por Giddens como fator determinante para o aumento das denúncias de corrupção, é preciso considerar a atuação do Ministério Público - que teve suas atribuições ampliadas pela Constituição de 1988 - na fiscalização da aplicação dos dinheiros públicos, bem como o desempenho dos próprios órgãos de controle interno do Estado, que foram aprimorados.
Ressalte-se ainda "o papel da imprensa moderna e a expressão da opinião pública por ação (ou inação) direta, dois elementos do processo real da política democrática que se vêm tornando cada vez mais cruciais" (Hobsbawm, Eric. Globalização, democracia e terrorismo p.107) e, por isso mesmo, alvo da fúria de muitos políticos e suas teorias conspiratórias, as quais o historiador atribui "à vulgaridade intelectual da retórica pública" dos mesmos.
* Rosanne Santana é jornalista contato rosannesantanna@yahoo.com.br