O filósofo norte-americano John Galbraith, falecido em 2006, costumava dizer que "nada é tão admirável em política quanto uma memória curta". Afinal, quantas e quantas vezes assistimos nesse ambiente político viciado aquele que hoje afaga ser o mesmo que, num passado não muito distante, castigou.
A prefeitura de Conceição de Coité comemora com pompas e em ano eleitoral a reabertura do Hospital Almir Passos, chamando para si os louros da reinauguração para capitalizar votos. No passado, covardemente se isentou de qualquer responsabilidade pelo fechamento da unidade de saúde, após infindáveis irregularidades detectadas por uma auditoria feita pela Secretaria de Saúde do estado, todas de pleno conhecimento do governo municipal com antecedência.
Platão já dizia que o azar de quem não gosta de política é ser governado por quem gosta muito. Por isso, quando o circo é colorido demais, lembre-se do pão. Em suma: é tudo uma fantástica alegoria. Apostando na memória curta e na alienação do povo, a prefeitura assume para si o abre-alas da reabertura de um hospital que ela mesma permitiu que fosse fechado por quase um ano, alegando não ter qualquer ingerência sobre a entidade mantenedora que umbilicalmente sempre teve ligações com o grupo político dominante. A política também é desfaçatez. Na bonança, tudo. Na procela, nada.
Uma das grandes qualidades do cínico é se travesti de vítima para se esquivar do peso da crítica. Durante todo esse tempo, o argumento de defesa daqueles que querem se transmutar de algozes para libertadores do Hospital Almir Passos em nove meses é de que todos que levantaram a voz para apontar os graves equívocos do poder público municipal na área da saúde estavam, na realidade, torcendo contra, pregando o discurso do quanto pior melhor porque almejam o poder. Ou seja, tentam fazer crer que os outros, sem exceção, são tão pequenos quanto eles, os nanicos que sustentam os tentáculos na prefeitura com paralelepípedos, dinheiro público e cargos de confiança.
Senão vejamos um exemplo de como eles são homúnculos, dentro da área da qual estamos tratando. Temos uma Secretaria Municipal de Saúde que, na prática, funcionada como uma Secretaria de Transporte. Ela está lá não para executar, de forma planejada e organizada, ações que visem melhorar a prestação do serviço público no município, com a adoção de políticas eficazes que visem, por exemplo, implantar em Coité uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Ela está lá para, todo dia, atender o cidadão que madruga na fila com o objetivo de marcar um carro para, no dia seguinte, ser atendido em Salvador. Uma verdadeira indústria movida ao sofrimento de muitos e o enriquecimento de poucos.
E olha que não estamos falando de complexos procedimentos de saúde que demandam grandes hospitais da capital. Estamos falando, inclusive, daquela senhora que é obrigada a se deslocar lá dos Claros, no extremo da zona rural de Salgadália, a Salvador, para fazer um transvaginal ou uma mamografia. Isso quando o que vale não é a regra do clientelismo, outro fantasma que habita as instalações da tal secretaria. Pois se você é eleitor de um vereador da base do prefeito, consegue agendar o carro sem precisar sequer pegar a fila.
Enfim, quem você acha que torce para o quanto pior melhor? Para e pense um pouco. Quem e o que alimentam esse círculo vicioso movido à desfaçatez, cinismo e clientelismo? Por que a prefeitura não trabalha de fato para que a saúde pública tenha um pouco mais de qualidade em Coité? Será que tudo não funciona dessa forma para que aquele cidadão pobre da zona rural se sinta dependente de um "favorzinho" solicitado ao vereador ou ao prefeito e obrigado a retribuir com o voto? São perguntas para as quais esperamos, um dia, ter uma resposta diferente. Quem sabe, e a esperança não há de morrer, essas novas respostas não comecem a surgir com a reinauguração do Almir Passos, que vai voltar à funcionar graças ao esforço dos coiteenses, e não ao discurso demagógico dos que estão no poder.
* Alexandre Reis é jornalista