O canudo de jornalista só serve para emoldurar sala de visitas e gabinetes |
Uma vida. Nesse período ví muita coisa acontecer e processar-se uma “revolução” industrial sem precedentes na história do jornalismo, com a composição a quente dando ligar aos sistemas computadorizados, o fim da máquina de datilografia e do telex, aposentadoria das revelações de filmes e outros, a introdução das mesas digitais e do web-jornalismo e uma série de outros procedimentos. Só quem não mudou, em sua essência, foi a notícia, a nossa fonte de trabalho e de inspiração cotidiana.
Nada pareceu mais esdrúxulo e inconsequente, no entanto, do que essa decisão do STF de aposentar o meu “canudo” e de milhares de estudantes e/ou profissionais que um dia se qualificaram para exercitar essa profissão que tem ajudado o país a construir a sua história e foi responsável, em parte, para reconquistar a democracia nacional, exatamente a partir da divulgação da luta pós golpe de 1964 até a promulgação da Constituição Cidadã, com o “velho timoneiro” Ulysses Guimarães à frente no Congresso.
O entendimento dos ministros é de que o Decreto-Lei 972/1969, baixado durante o regime militar de 1964, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que as exigências nele contidas ferem a liberdade de imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento inscrita no artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Ou seja, a constitucionalidade da exigência do diploma foi por água abaixo e a obrigatoriedade do registro profissional nas DRTs idem-idem.
Nunca soube, na prática desses 41 anos de profissão, que a liberdade de imprensa e o direito à livre manifestação do pensamento tenham sido contrariados por jornalistas com NU e/ou outros que atuam no mercado, quer nas redações do dia-a-dia ou com comentaristas especialistas em determinadas matérias. As empresas jornalísticas sempre se utilizaram desses recursos na Bahia e no Brasil e se reclamações aconteceram por parte de sindicatos, nunca perturbaram os veículos de comunicação nem mudaram a trajetória dos acontecimentos.
Uma prova disso está na Rede Globo que tem Arnaldo Jabor, um produtor de cinema, como um dos seus melhores e mais mordazes comentaristas políticos; e Tostão, que é médico, comentarista esportivo na imprensa escrita, entre dezenas, centenas de outros. Outro exemplo é Dr. Drauzio Varela fazendo matérias sobre medicina com inigualável competência. Aqui na Bahia há casos e mais casos, até de uma decoradora de ambientes que assina uma coluna sabática num dos jornais da cidade, e uma família de coreanos que produz uma revista e substituiu Vavá como repórter fotográfico dos acontecimentos sociais. Agora, vá um jornalista baiano se instalar em Cuba do chargista Simanca, de A Tarde, e produzir o que ele edita, para ver o que aconte.
No Brasil, há uma liberdade de expressão plena, pelo menos a partir de 1988, e o patrulhamento a essa conduta não se situa na categoria, mas, em alguns segmentos empesariais e governamentais que desejam estatizar e monopolizar a informação ao seu modo, como aconteceu recentemente com o Blog da Petrobras, e não no exerício da função jornalística livre e democrática. A argumentação do STF, se vista no sentido mais amplo, poderia também valer para advogados, professores, cientistas sociais, geográfos, históriadores e outros na medida em que esses profissionais também atuam no âmbito da liberdade da expressão.
A argumentação do ministro Gilmar Mendes, relator da matéria seguida por seus pares, a exceção de Marco Aurélio, não coloca um ponto final na necessidade de formação do jornalista, embora, quando o STF acaba a obrigatoriedade do diploma, produz aquela figura de reórica popular “se correr o bicho pega; se ficar o bicho come”. É claro que existe muita escola de jornalismo NU sem qualificação, mas, há, também aquelas que melhoraram seus desempenhos ao longo dos anos e uma citação referência é a FACOM/UFBA, com todo viés “cururu” que tem, se comparado ao curso de jornalismo que frequentei na FAFIUFBA.
A tecnologia criou novas possibilidades para os “não” jornalistas e isso é real, visível, com centenas de blogs e sites na Bahia e no Brasil sendo operados pelos mais diferentes profissionais, inclusive conzinheiros, mas, nada substitui a formação do jornalista em sua essência. Há de se dizer que o “jornalismo romântico” morreu; mas isso também é verdadeiro com a medicina, a advocacia e outras profissões. Aquele “médico da família” já desapareceu do cenário há anos, assim como o engenheiro que só fazia casas, o advogado dos comerciários e assim por diante.
Então, essa argumentação só para os jornalistas não cola. Agora, o STF, anuncia a contratação de 14 jornalistas por concurso com salário inicial de R$6.651,52 e vive o drama, em edital, se exige diploma de jornalista ou se abre para todos: motoristas de táxis, cozinheiros, médicos, terapeutas ocupacionais, mágicos, garçons e outros. E tome tiro no pé.