O DRAMA DAS CHUVAS EM SALVADOR

Tasso Franco
11/05/2009 às 10:00
 
Desde o primeiro traçado de Salvador que ocorrem quedas de muros e deslizamentos de terras
           A primeira ocorrência registrada na história de Salvador sobre chuvas e queda de imóveis aconteceu em março de 1550, 10 meses depois de iniciada a construção da cidade fortaleza no estilo da cultura mediterrânea, quando forte chuva registrada em março levou o muro de taipa derrubando parte da obra demarcada da Praça Quadrada, hoje Praça Municipal, parcialmente protegida por baluartes.

           
           Luiz Walter Coelho Filho, autor que produziu um estudo primoroso e detalhado "A Fortaleza de Salvador na Baía de Todos Santos", narra que a cerca original da cidade ficou pronta em 12 de maio de 1549. E, a partir desta data e erguida a tranqueira, iniciou-se a construção dos prédios públicos e casario, em taipa, e os muros e baluartes de proteção ao núcleo central, obra preliminar concluída em janeiro de 1550.

          
          Os muros tinham 18 palmos (3.52m) e revelou-se de altura excessiva para o tipo de material empregado, o que obrigou os pedreiros a rebaixarem para algo em torno de 11 palmos (2.42m), uma vez que, parte desses muros foi ao chão com a chuva de março. A partir desse momento, Pero de Carvalhaes, motivado por prêmio oferecido por Tomé de Souza, produz cal na Ilha de Itaparica, com a queima da concha de moluscos, produto essencial para impermeabilizar a taipa e assegurar durabilidade à obra.

        
        Só em dezembro de 1551, já com o uso da cal de Carvalhaes, concluiu-se a nova obra com seis baluartes, portas e aproximadamente 1500 metros de muro de taipa cercando a fortaleza. Começa assim a construção de Salvador e nesses 460 anos dezenas, centenas de ocorrências foram registradas de deslizamentos de terras, queda de muros e imóveis, mortes e todo tipo de tragédia que pode acontecer numa cidade que, começou ordenada, como uma fortaleza murada, se expandiu, extrapolou todos os limites de planejamento urbano e é esse caso, com mais de 500 assentamentos irregulares.

    
         Observe que, 35 anos após a construção dos baluartes, portas e primeiros muros, Gabriel Soares de Souza, cronista dos seiscentos, diz que a cidade foi "murada e torreada" no tempo do governador Tomé de Souza e depois os muros vieram ao chão, por serem de taipa, e não se repararem nunca. A vida útil de um muro de taipa era de 10 anos. Por volta de 1591, segundo Walter Coelho, o governador dom Francisco de Souza cercou novamente a cidade com muros de taipa de pilão, mais resistente. No entanto, os limites não eram mais os mesmo de Tomé e sua Praça Quadrada e as portas Norte e Sul, com expansão além do Colégio Jesuíta e ocupação das encostas.


           A rigor, quem primeiro promoveu uma invasão (termo clássico usado até hoje) foram os jesuítas, com a expansão do seu colégio para fora dos muros, em direção ao Monte Calvário do Carmo. Vê-se, portanto, que, ao pé da letra histórica invasões, chuvas e desabamentos têm entre 400 a 450 anos. É claro que, atualmente, vive-se uma situação de calamidade diante de tantas ocupações desordenadas e crescimento da população.


            Mas, a rigor, não se pode culpar esse ou aquele governante, senão todos, porque Salvador não representa caso isolado, talvez seja um dos mais dramáticos, diante dessa prática vigente no país de admitir as favelas e invasões, até por força de sobrevivência das populações. Salvador, desde os tempos de Caramuru e Tomé tinha como limites o mar, a montanha e o brejo. Hoje, há uma heresia reinante na cidade dando conta de que Caramuru foi o fundador do Rio Vermelho quando, na época desse personagem (Diogo Álvares, 1509) não havia sequer a cidade do Salvador.


            O Rio Vermelho, a Cidade Baixa, Quintas, Brotas e outros são subseqüentes aos limites mar, montanha e brejo já adiante, nos séculos XVIII e XIX. É só lembrar que na Independência da Bahia, 1823, a Lima e Silva atual, na Liberdade, era a estrada das boiadas. A cidade passou 420 anos para atingir 1 milhão de habitantes, no início da década de 1970. Agora, a partir desta década, abertura dos vales, mudança do perfil da economia baiana (do cacau para petróleo e  petroquímica) aconteceu um inchaço. E, somente em 37 anos, triplicou-se esse número para quase 3 milhões de habitantes.


            Ninguém conseguiu conter essa avalanche. A população mais pobre construiu onde quis e pode e resultou nesse caos urbano generalizado, salvo algumas manchas matrizes desenhadas a partir do século XVI e outras nos séculos XIX e XX. Hoje, fala-se em PDDU com esse mecanismo servisse para alguma coisa na faixa da pobreza. Tem valor zero. A periferia tem código próprio, conduta de sobrevivência e ponto final. Faz puxadinho, constrói sobre canais, ergue em encostas e acabou.


             Há solução? Não. Seriam necessários bilhões de reais, reeducação, emprego e renda, e uma série de outros atributos. Portanto, vive-se um momento de solidariedade, angústia, dor, mas, infelizmente, esse quadro vai continuar e só tende a se agravar a cada chuva forte.