DENDÊ NO SANGUE OU ALMA BAIANA

Tasso Franco
17/02/2008 às 07:04
Agora que passou o Carnaval vamos ver quem tem dendê no sangue e a tal alma baiana como muita gente afirmou durante o reinado de Momo, enclausurada nos camarotres chics sem ao menos conhecer a cidade do Salvador e sua gente. Falar é fácil, sobretudo para artistas, publicitários, homens de negócios, marketeiros e afins. Difícil é seguir vivendo nesta cidade durante os outros meses do ano, sem atividade econômica promissora à vista, sem perspectiva de crescimento e ostentando os piores indicadores de emprego e renda nas pesquisadas pelo IBGE entre as metrópoles nacionais. Cidade que taxeiro mija no muro, baiana de acarajé instala um tabuleiro onde quer e entende e prefeito relaciona pintura de meio-fio como obra, doe é na alma soteropolitana.

Aliás, salvo melhor juízo porque ainda há um restinho de verão, aqueles que disseram possuidores de dendê no sangue, amantes da cidade do Salvador, esta terra "admirável, única, sagrada, encatada, etc" como afirmaram, já retornaram ao eixo Rio/São Paulo/Minas/Brasília porque bobos não são e aqui só vêem fazer louvações durante o Carnaval, uns em troco do vil metal e do marketing televisivo e pessoal, outros para sugar o que resta da cultura local. Conheço pouquíssima produção interessante do ponto de vista cultural, no cinema, no teatro, na TV, na música, na literatura, no cinema que tenha sido feita a partir do Carnaval de Salvador, nos últimos dez ou vinte anos, por essa gente forasteira e midiática.

O folhetim Ó Paí Ó é uma exceção, ainda assim, numa tradução bairrista flertando com o ne-realismo italiano e expondo as formas de linguagem e de atitudes típicas do centro da cidade da Bahia. O filme de Monique Gardenberg que tanto sucesso fez no Brasil, em 2007, sequer foi lembrado pela baianada carnavalesca, em 2008, mostrando como o mercantil dolarizado Carnaval de Salvador se distancia dos elementos culturais que cantam a sua história citadina no gueto mais importante da capital que é o Pelô. Justiça seja feita a Monique, a qual, nunca a ouvi fazendo louvações fantasmagórica a Salvador ou a Bahia, sem dendê aguado no sangue como uns e outros que andam babando.

Vamos também acompanhar o amor do Itaú e do Bradesco a cidade do Salvador. Lembro que no governo Imbassahy, o Itaú foi convidado a ajudar na manutenção após a reforma da Praça Nossa Senhora da Luz e deu uma banana a Prefeitura. O Bradesco completo é outro que ajuda pouco ou quase nada a cidade. Esses dois bancos têm um tratamento nas área da educação e cultura no Rio e São Paulo que não tem comparativos com a Bahia. Vamos verificar se finalmente incorporaram o dendê no sangue ou se também vieram aqui mamar num dos maiores eventos marketeiros do país. Estaremos de olho também na Tim, na Nova Schin e outras empresas, assim como nos artistas e publcitários globais e menos possuidos.

A Bahia sempre foi um lugar que adora dar régua e compasso aos outros. Tudo o que vem se fora é bom, bacana, sensacional e assim por diante. Neste Carnaval então tivemos a top-model Naomi Campbell posta a preço de ouro, ou de euro, como queiram, como uma grande estrela para dar visibilidade internacional à cidade. A última que Naomi aprontou nos Estados Unidos foi agredir sua empregada doméstica sendo detida e obrigada a pagar fiança e trabalhos comunitários, sob pena de ir para o xadrez. Nunca defendeu os movimentos negros, África, Bahia, Luanda, mas foi colocada como peça de marketing no ícone baiano da considerada resistência negra carnavalesca, o Ilê Aiyê. Um adereço de mau gosto e ainda levou R$100 mil.

Atualmente, existem vários mecenas que se dizem promotores do produto carnavalesco Bahia, de grande visibilidade histórica, mas, são raros aqueles que se interessam em atuar na entresafra, na chamada baixa estação. O Itaú, por exemplo, poderia adotar o Lar Maria Luiza com apoio de suas perna social, e o Bradesco, contribuir para o movimento literário baiano que anda no buraco, com a ajuda de sua perna cultural. Ademais, Flora Gil, Daniela Mercury, Nizan Guanares, Credicard, Daneman, Smirnoff, Semp Toshiba, Othon Palace, Camarote Salvador, Reino da Folia, Nana Banana e afins, deveriam estar mais presentes na cidade da Bahia no período da maré de março e da subsequente temporada de chuvas.

Salvador, como bem situou a ex-prefeita Lídice da Mata em seu marketing político e citadino é a "Cidade Mãe", quer porque foi a primeira capital do Brasil, quer porque é acolhedora. Tão acolhedora que entregou sua administração a uma coalizão de partidos que não se entende, cada qual fazendo o que dá na telha e gerando um troca-troca administrativo que nunca se presenciou em sua história. Daí que, de repente, um desses globais da vida com dendê no sangue acabará ocupando um lugar de destaque como consultor da cidade. Por pouco, Luana Piovani, em certa ocasião, não foi eleita a musa dendê da cidade.

Estamos, pois; no Estica Verão, final da temporada de astros e estrelas. Podem anotar aí: no início da maré de março, quando as águas do mar começam a lavar o calçadão do Rio Vermelho, não fica um desses mecenas na cidade para contar história. E, então, começa tudo de novo visando a temporada de verão 2008/2009, a partir do Rio/São Paulo, com os ajustes feitos na cidade Carnaval midiática. Vamos verificar se pelo menos no decorrer da entresafra, em ano eleitoral, os poetas e compositores locais se inspiram em alguma coisa, algum meteorango kid, e produzem algo que eleve a alma da cidade do Salvador, a alma original, um dia descrita na pena de Gerônimo como a "Cidade de Oxum, menina mulher".

Por ora e durante o Carnaval, evento que a projeta a cidade para localidades do Brasil e algumas praças internacionais, discretamente, porque em Londres, Paris e Nova Iorque a festa passa batida, salvo pequenos flashes de TV e lances da internet, Salvador se mantém respirando e encantando. A cidade, no entanto, precisa de muito mais além dessa visibilidade midiática festiva no sentido de fortalecer suas atividades econômicas e culturais, de melhorar a qualidade de vida de sua população e de um projeto que a organize visando a contemporaneidade.