TROPA DE ELITE: RAJADA DE BALAS NA HIPOCRISIA

Cíntia Melo
06/10/2007 às 08:01

   Embora a realidade retratada se refira aos fatos que ocorrem no Rio de Janeiro, o filme Tropa de Elite atinge vários setores do "sistema" e é uma obra que faz o espectador entrar num corredor polonês e, quem sabe, ter boas reflexões.

  Aliás, a palavra "sistema" é uma das mais freqüentes em sua narrativa.


  Tropa de Elite ruboriza o estado brasileiro. Retrata as mazelas de uma polícia mal remunerada, sendo parte dela corrompida e rendida ao capital. 

  Caso se pense um pouco mais, isso não é algo que acontece só com a polícia carioca. Pode estar por todos os lados, em vários estados-membros, em diversas situações, principalmente, na política com debochados escândalos estourando dia-a-dia.


  A apoteose do filme está em colocar em rota de colisão a violência, o tráfico e a burguesia (como eles se referem à classe média e média alta). 

  Um dos personagens, estudante de Direito e policial militar, participa de um trabalho em grupo e os alunos apontam, de forma generalizada, a polícia como desonesta, violenta e corrupta. O aluno-policial diz algo assim: - Pode haver corrupção na polícia, mas existe violência por que muita criança morre para burguesinho aqui poder enrolar um "beco" (baseado, maconha). Todos silenciaram.

  Outro momento marcante ocorre quando o Comandante Nascimento (Wagner Moura) da Tropa de Elite faz uma abordagem no morro e um jovem da favela é morto. Lá, encontra um rapaz da cidade e o Comandante o pega pelo cabelo e esfrega seu rosto no corpo ensangüentado e esbraveja: - Quem atirou nesse menino?! Quem atirou? O rapaz-burguês se debate e acaba apontando para o policial. E Nascimento diz: - Não. Quem o matou foi você que alimenta o tráfico e nós temos que vir aqui para concertar os seus malfeitos.


   Frouxidão do estado -
Não há heróis no filme, e sim uma tentativa de aproximação da realidade. Por mais fortes que sejam os sentimentos de honestidade que tenha o policial, a matriz estabelecida nas relações de poder corrompe virtudes (é provável que no mundo-cão retratado falar de virtudes chega a ser imbecil). 

  Seguindo a linha de raciocínio inicial, essas relações de poder, entranhadas no sistema estabelecido, nascem da frouxidão do estado, seja qual for o governo.  
 
  Parece fora de controle, por isso o filme fala de guerra civil no Rio.


  A mídia não fica de fora e recebe uma coronhada. Voltando a cena da sala de aula, o personagem chama todos de mal informados, pois só sabem o que os jornais e a Tv apresentam.

  Alguns teóricos chamam esse fenômeno de Agenda Setting (grosso modo, quando os receptores - leitores ou telespectadores - estão orientados pela mesma linha temática) ou também Espiral do Silêncio (quando a opinião dominante, que em grande parte é imposta pelos meios de comunicação de massa, gera o medo do isolamento e por isso, o receptor não busca e nem expressa opinião secundária).


Mediocridade metralhada -
Sobrou para muitos. Entre eles, uma organização não-governamental mantida na favela por um político, como também para uma passeata pela paz, enfim, dá pra fazer diversas análises das abordagens do filme que mais parece uma metralhadora giratória expondo mediocridades.  Fala-se, em algumas passagens, "como os ricos gostam de ter pena de pobres". Claro, tudo isso a base de muito sangue, pancada e tiros.


  Tropa de Elite é para se assistir e pensar. Ele vai além da violência que retrata a violência. Por exemplo, dever tocar fundo nos consumidores de drogas com alguma noção de responsabilidade, inclusive, naquela turminha que diz "só de vez em quando" ou "uso, mas não sou viciado", que abomina a violência e fala mal da polícia e do governo. Em entrelinhas, parece que a história grita pelo surgimento de uma nova ordem, um novo estado, capaz de modificar o que parece imodificável.  


  Nesse sentido, até sua forma de divulgação foi diferente. Claro que não foi proposital, mas os camelôs estão repletos de cópias piratas de uma película que estréia hoje no eixo Rio-São Paulo.
 
  Pelo sim, ou pelo não, essa situação condiz com o que se parece querer gritar: por uma nova matrix de vida, de estado, de governo.