Cristovam Buarque
25/06/2007 às 14:57
Há meses, o Brasil se debate em meio a escândalos de corrupção. Nos jornais, as páginas de política parecem com as de polícia.
No meio do turbilhão de denúncias, descobre-se que, em pleno século XXI, depois de quatro anos de um governo eleito pela esquerda, aumentou o número de crianças que trabalham em vez de estudar. Mas esse escândalo não chama atenção como deveria.
O presidente da República é obrigado a explicar por que seu irmão não se comportou bem, mas ninguém cobra dele uma explicação pelo aumento do trabalho infantil ocorrido na sua gestão. O presidente é muito mais responsável por cada criança que continua fora da escola e trabalhando do que pelos atos de um irmão seu. Mas ninguém propõe uma CPI para investigar isso.
O verdadeiro escândalo brasileiro é invisível. Neste novo século, não haverá futuro para uma pessoa sem boa qualificação profissional. Nem futuro para o país que não criar capital-conhecimento.
No entanto, a cada ano, o Brasil deixa para trás milhões de crianças sem escola, e quase três milhões presas ao trabalho. Relegando a educação de base, permitimos o aumento do número de crianças trabalhando.
A principal causa dessa elevação foi a transformação da Bolsa-Escola em Bolsa-Família. A simples retirada da palavra "escola" teve um efeito devastador na consciência da população pobre com relação à educação.
Antes, a mãe recebia o benefício pensando "recebo porque meu filho está na escola, se ele sair da escola, perco a bolsa". Agora, pensa "recebo porque sou pobre, se eu sair da pobreza, perco a bolsa".
Desapareceu o papel de conscientização da importância da educação. Com a transferência do programa do MEC para o MDS, e a fusão da Bolsa-Escola com outros programas assistenciais, as mães que recebem a bolsa podem agora complementar a renda familiar com o trabalho dos filhos. O aumento do trabalho infantil é uma conseqüência lógica.
As soluções para o escândalo do trabalho infantil j á são do conhecimento de todos. Primeiro, precisamos nos indignar com a imoralidade da existência de crianças condenadas ao trabalho, e com a estupidez de deixarmos para trás seu potencial, seu capital, já que elas perdem a chance de se tornarem adultos educados e qualificados.
Segundo, entender que o problema não é só tirar as crianças do trabalho, mas dar-lhes escolas bonitas e bem equipadas, em horário integral, com professores muito bem remunerados, e garantir a todas as crianças escolas com a mesma qualidade.
Terceiro, acreditar que isso é possível. Porque perdemos a capacidade de acreditar, nos acostumamos tanto com escolas más e desiguais que soa utópico, falta de bom senso, defender que todas as escolas sejam de qualidade, e que a escola do pobre seja igual à do rico.
Quarto, centralizar no MEC a responsabilidade de colocar todas as crianças na escola, e assim abolir o trabalho infantil. Transformar o MEC em Ministério da Educação de Base (e da criança). Enquanto o MEC cuidar do ensino básico e do superior, seus recursos e preocupações deixarão de lado a educação de base.
Afinal, os universitários fazem greves, demandam, votam; enquanto as crianças trabalham, necessitam, ficam para trás.
Quinto, transformar a Bolsa-Família em Bolsa-Escola e retomar o PETI, de forma mais ambiciosa e cuidadosa, unindo de maneira indissolúvel a transferência de renda com educação.
Por último, definir um prazo para acabar com a vergonha das crianças fora da escola. Podemos pôr fim a esse verdadeiro escândalo, se tivermos vontade para isso.