Vive-se o mês de aniversário de Salvador, cidade que completará 458 anos de existência dia 29 próximo. O projeto de construção da fortaleza foi detalhado em Portugal no reinado de Dom João III, o Piedoso, pelo mestre-de-obras do Reino, Miguel de Arruda, responsável pela elaboração da planta da fortaleza Salvador, erguida sob orientação de outro mestre, Luís Dias.
Sabe-se através de documentos da história que Dom João III, o Pio, foi o 15º rei de Portugal e sucedeu seu pai, ainda jovem, aos 19 anos de idade, para se tornar, pelo menos para o Brasil, o responsável pela colonização propriamente dita no momento em que instituiu o regime de capitanias hereditárias (1534) e, posteriormente, o govenro geral com Tomé de Souza instalando o governo central da colônia no Brasil.
Infelizmente, a história da Bahia, sobretudo nos tempos atuais onde só se fala em heróis afrodescendentes e até o representante do governo se esquiva de tratar do tema que aflorá em 2008, as comemorações dos 200 anos da chegada da família real a Bahia (e ao Brasil), não tem reservado espaços para reverências a Dom João III, a rigor, aquele que determinou a construção da fortaleza cidade Salvador.
Ou, para ser mais rigoroso com os fatos históricos estabelecidos no códice 112 do livro de registro dos atos do Governo Geral, aberto em 1º de janeiro de 1549, página 171, "Da Fortaleza do Salvador da Baya de Todos os Santos nas terras do Brasil", assim escrito no cabeçalho.
Sabe-se, ainda, que Dom João III, educado inicialmente pelo conde de Viseu, Diogo Ortiz de Villegas, que era espanhol, e depois por mestres de Coimbra, cidade onde existe uma estátua que o homenageia para sempre, reordenou o Império português, a essa época (1521/1557 - período do seu reinado) delegou a Vasco da Gama a conquita dos mares, Norte da África, Ásia e Japão, e teve a compreensão de instalar um Governo Geral no Brasil a partir de sua cidade mãe, Salvador da Bahia, dita assim porque incorporou o Bahia de Baía (Baya) de Todos os Santos.
Em A Fortaleza do Salvador na Baía de Todos os Santos, de Luiz Walter Coelho Filho, cuidadoso trabalho de pesquisa desse jovem advogado, editado, em 2004, pela Secretaria de Cultura do Estado, o autor destaca a influência que os mestres-de-obras (depois arquitetos portugueses) tiveram de Marcos Vitrúvio Polião, o arquiteto e engenheiro romano século I aC, autor dos dez volumes intitulado De Architetura (daí vem o nome arquitetos, que substituiu mestre-de-obra) e relata como Dom João III cobrava do seu meste do Reino, Miguel de Arruda, o modelo a ser implantado nas terras brasis.
Segundo o autor entre todos os aspectos destacados, "o que parece mais interessante é a aplicação da geometria associada à proporção". E, o que é mais pitoresco, a pesquisa de Walter Filho narra o círculo de amizades e as relações de convívio profissional entre Miguel de Arruda, Dom João de Castro (governador de Ceuta), André de Resende (renomado humanista), Lucas Giraldo - comerciante e depois donatário da Capitania de Ilhéus, Tomé de Souza, todos em torno de discussões sobre a obra de Vitrúvio fechando o círculo em torno de Dom João III, que toma gosto pela ciência e pela arquitetura, e passou também a ser conhecido como "o rei arquiteto" pelas fortificações que ergeu nas costas do Brasil, do Norte da Áfria, na Ásia e até no Japão.
Naquela época, como a de sugerir que o nome também implicava em defesa de um sítio, a rigor, representava um núcleo que se transformaria em urbano (urbis) e nas cidades atuais que existem nessas localidades, em especial, no nosso caso, Salvador da Bahia.
Ademais, vale lembrar só para contextualizar reminiscências históricas dos sebastianistas, entre os quais me incluo, dom João III foi pai de Dom Sebastião, aquele que virá um dia nos salvar (tal como Cristo) e está na memória e no imaginário do povo do Nordeste, quer na Pedra do Reino, de Suassuna; quer nas andanças do Conselheiro e seus abades nos sertões de Canudos e Queimadas de Santo Antonio.
Só por isso, Salvador já merecia pontificar em algum ponto da cidade, em destaque, a imagem de Dom João III, mais relevante do que Tomé, porque foi o mentor, o idealizador, o católico que, se faz crer em todas as pesquisas, teria dado o nome à cidade, o Salvador, aquele que veio para nos salvar, porque sendo um rei filho dos reis católicos Dom Manuel e Dona Maria, era de beijar pé de santo e de comungar e se penitenciar à virgem mãe de Deus.
Mas, ao que se fala é que o Minc quer fincar uma estátua de Zumbi dos Palmares na Praça Muncipal. Que relação histórica há? Se deseja homenagear um negro que se ponha em pé uma imagem de Manoel Calafate, da revolta dos Malês na cidade da Bahia, pontilhada na Ladeira da Praça e na Municipal; ou de Babá Assiká e/ou de Bamboxé Obitikó, fundaddores do candomblé da Barroquinha e de toda essa nação do povo de santo.
Não me venham, pois, com demagogia de oportunidades.
* Tasso Franco é jornalista e escritor. http://www.cronicasdabahia.com.br/