Faltando poucos dias para o início do Carnaval de Salvador, a maior manifestação da cultural popular baiana e única com visibilidade internacional, as tendências são do que a festa se consolidará como um grande show musical televisivo, como já ocorreram nos últimos anos. Salvo a irreverência ainda carnavalesca de um ou outro segmento, caso da Mudança do Garcia, de pequenos grupos anônimos de travestidos e de singelas personalidades no circuito Batatinha, no Pelô, no mais, o grande espetáculo musical e coreográfico predominará.
Antonio Risério já havia previsto isso há anos em seu Carnaval Ijexá e artigos que escreve sobre a Bahia, quando apontou que não haveria rumos para a desordem carnavalesca baiana. Desordem no bom sentido da manifestação popular que se empacotou em blocos com cordas e seguranças, e ai não escapam nem os afros; nem os de samba reaggae ou de pagode samba; e a camarotização cada dia mais freqüente (e crescente) com a música rave dominando esses espaços vips.
Camarote que não tem DJ não serve. Veja que quando Daniela Mercury criou o primeiro camarote vip no circuito Barra-Ondina, patrocinado pelo Iguatemi e um cartão de crédito, com esquema 008 em boca livre para todos os importantes, não havia DJ nem dancing-day. Logo-logo os produtores colocaram um grupo de samba estilizado para animar os vips nos intervalos da passagem de um trio e outro, e depois instalram o ambiente estilo buate zum-zum-zum.
Daniela, aliás, é fantástica e joga nas duas pontas: balé mulato para o povão e red labell para os seus convidados. Ou seja, passa uma idéia de que é popular, quando, a rigor, adora ser vip. Outro artista que segue esse mesmo caminho é o ministro da cultura, Gilberto Gil. Afoxé para o povo e longue com massagista e uísque do bom para os seus convidados do camarote 2222. Que saudade de Gil nos velhos tempos (não tão antigos assim) quando desfilva no chão da praça e na Carlos Gomes e Avenida Sete tocando agogô e, justiça seja feita, revitalizando o afoxé Filhos de Gandhy, nos idos da década de 1980.
São tendências, ora bolas. A nova a ocupar um espaço público em frente ao Centro Espanhol (circuito Barra-Ondina, hoje, queridinho dos vips) é a instalação de uma versão (ou clone, ou franquia) da Ministry of Sound, uma das mais baladalas muvucas noturnas internacionais, que instalará sem mega-camarote para funcionar a partir das 3 da madrugada até as 10 da manhã, gente vipíssima, embaladas pelo som do DJ Cris Bailey, considerado um bam-bam-bam no assunto. Comenta-se que a paulicéia desvairada estará presente nesse espaço uma vez que o Sunrise After Carnaval, esse é o nome do projeto, está sendo vendido onde existe dinheiro: São Paulo.
Outra tendência que tem crescido a cada ano, atropelando os blocos afros de coreografia e raiz - tipo Ilê, Male, Muzenza, etc - é a presença crescente dos blocos de samba com trio que desfilam somente no circuito Campo Grande, capitaneados pelo Alerta Geral, um dos pioneiros, e que incendiou a negritude-mestiça baiana. São blocos mais abertos onde se curte o samba, namoram-se à vontade, as roupas usadas são mais leves e concentram uma elite da negritude. Esses blocos não têm patroícinio dos órgãos públicos e sobrevivem com o pagamento dos carnês. E também só desfilam um dia e fim de papo.
Neste Carnaval a música axé manterá sua predominância, o que já presenciamos durante o último Festival de Verão de Salvador, com suas estrelas mais antigas ainda dominando o cenário - Bel Marques, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Durval Lélis, etc -; as novas se firmando a cada ano - Cláudia Leite, Rapazola, Márcio Vitor, Jamil, etc; e, neste ano, a surpresa que já estorou no verão, a Banda Motumbá, com o negão Alexandre arrasando. Em 2006, aconteceu esse fenômeno com o Afrodisíaco (depois, Vixe Mainha e seu café com pão) e este ano, ao que tudo indica a bola da vez será a Motumbá.
O mago Carlinhos Brown, sempre supreendente, pode fazer duas suas e tem duas músicas suas bombando. A turma do trio elétrico Armandinho, Dodô e Osmar precisa urgente de uma repaginada. Esta mesmo que o Bahia, ou muda ou a tendência é, senão desaparecer, perder adeptos ou admiradores do seu extraordinário som, o que, aliás, já vem acontecendo. Ninguém agüenta mais o chame gente, mesmo com toda tradição e respeito ao grupo, sobretudo porque o pai dos meninos, Osmar, foi o fundador do trio na década de 1950.
Os blocos afro-mestiços, salvo melhor juízo, vão continuar desfilando na madrugada para a glorificação de Vanda Chase. Precisam passar mais cedo na avenida e se organizarem melhor. A eterna falta de patrocinadores se traduz num enredo que necessita ter um fim, senão, vão desparecer como já aconteceram com muitos deles. Carnaval tá na boca e as reclamações dos diretores desses afros continuam na mídia. Todo ano a mesma coisa. Ainda assim, conseguem desfilar.
O Carnaval 2007 será da rave e da axé. Os negões que se cubram.
* Tasso Franco é jornalista e escritor. http://www.cronicasdabahia.com.br/