Dando prosseguimento a sua série de estudos sobre o impacto dos investimentos públicos na atividade econômica e financeira do estado, o diretor de assuntos Econômicos do IAF (Instituto dos Auditores Fiscais), o auditor Sérgio Furquim, comentou com exclusividade para o Bahia Já, a repercussão que as grandes obras públicas provocam na atividade produtiva e seus reflexos em toda a sociedade.
BJÁ: Nos últimos dias o IAF tem criticado a escassez de investimentos públicos na Bahia, em detrimento aos outros estados do Nordeste, em que se baseia esta afirmativa?
SF: Para responder a isso é preciso que antes voltemos ao tempo: a Bahia desde o início da implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari, por volta da década de 1970, vinha se projetando como o grande centro desenvolvimentista da região Nordeste, com uma indústria pujante, fruto de constantes investimentos públicos, especialmente em obras de infraestrutura e uma atraente política fiscal. Esse conjunto de fatores, somados aos nossos recursos naturais colocou Bahia em sua significativa posição no plano nacional. Infelizmente, o que temos visto nos últimos três anos é uma situação totalmente diferente, parece que a Bahia deixou de ser interessante do ponto de vista estratégico para o governo Federal, e os investimentos públicos escassearam. Falta-nos uma obra de grande porte, tal como o megaprojeto do Complexo Industrial e Portuário de Suape, em Pernambuco, ou mesmo a moderníssima Refinaria Premium de Bacabeira, no Maranhão. Para se ter uma idéia, do total de recursos inicialmente destinados pelo PAC para realização de grandes obras, coube a Bahia menos de 2%, o que é muito pouco, se considerarmos a importância da Bahia no cenário nacional e a oportunidade única que o Programa de Aceleração do Crescimento representa.
BJÁ: A que você atribui essa falta de investimentos públicos:
SF: Essa é uma pergunta que eu mesmo me faço. O IAF tem procurado setores responsáveis para questionar essa falta de investimento. O que nos dizem é que não havia projetos, por causa disso ficamos limitados à Ferrovia Oeste-Leste, o Porto Sul e a conclusão da Via Expressa 2 de Julho, que sem dúvidas são muito importantes para a Bahia, mas por si só não representam um investimento em atividade produtiva e sim em infraestrutura. Alem disso, é inquestionável que os recursos alocados a realização destas obras nem de longe se comparam ao que vem sendo aplicado nos outros estados, cujos investimentos estão na casa de dezenas de bilhões de reais. Observe bem, que aqui estamos discutindo investimentos em infraestrutura e atividades produtivas, recursos aplicados em saneamento ou despesas de custeio não vêem ao caso, apesar de não menos importantes.
BJÁ: Você não acha que a priorização pelo atual governo de investimentos em infraestrutura não estão mais condizentes com as características da economia baiana, voltada para a produção de commodities?
SF: Sem dúvidas investimentos em infraestrutura revelam uma importância especial se levarmos em consideração nossas vocação para exportador de commodities, principalmente levando-se em conta, nossas reservas naturais e os próprios avanços tecnológicos, especialmente na área de produção de alimentos e minérios. Sabemos que países como a China mantiveram sua economia crescente, o que, em tese, favorece o nosso potencial exportador, contudo a Bahia deve ficar atenta para evitar uma dependência excessiva a médio e longo prazo, deixando o estado vulnerável às oscilações de preço, como recentemente ocorreu com a nafta e o minério de ferro. Por outro lado, não devemos esquecer que a produção de insumos cria muito menos emprego que a fabricação de produtos industrializados, e é isso que questionamos quando vemos a Bahia ficar de fora de todo esse "boom" de investimentos públicos. Apenas para ilustrar, tomemos como exemplo mais uma vez o Complexo Industrial e Portuário de Suape, que ao seu final, agregará ao estado de Pernambuco mais de 80 novas empresas, com geração direta e indireta de mais de 200 mil postos de trabalho.
BJÁ: Na semana passada o Governador José Serra declarou que nos últimos anos a economia baiana, que vinha crescendo acima da média nacional, apresentou um arrefecimento, principalmente em decorrência da queda de investimentos públicos e privados. Vocês do IAF já vinham alertando o Governo do Estado sobre isso, como vocês receberam a matéria?
SF: De fato, os técnicos do IAF já vinham alertando para estes pontos, não no sentido de fazer qualquer crítica, mas sim, no sentido construtivo, para que a equipe do governo adotasse as devidas correções. Hoje muito se fala em diversificar matriz econômica, mas nada vem sendo feito. O governo se mostra incapaz de captar investimentos privados e os investimentos públicos se resumem na área de infraestrutura, mesmo assim em projetos modestos, logo o arrefecimento de nossa economia seria uma conseqüência natural. E não é só o total investido que vem comprometendo a expectativa de crescimento da nossa economia, e sim o próprio ritmo da execução das obras. Quando falamos em obras de infraestrutura capazes de causar um impacto econômico e social estamos falando do Complexo Rodoviário Paulista, o Rodoanel, cujos investimentos superam 20 bilhões de dólares, ou mesmo a ampliação do Porto de São Luiz, maior obra na área portuária em execução no país. Até mesmo a Petrobras, histórica parceira do povo baiano parece que se esqueceu de nosso estado, basta que se veja o programa de investimentos da empresa, quase que todo concentrado em estados com o Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão e o Espírito Santo, onde devem ser aplicados mais de R$ 120 bilhões, enquanto isso o nosso pólo caminha para se tornar obsoleto para os padrões atuais. Se realmente queremos diversificar a matriz econômica, precisamos estabelecer uma sólida política de investimentos em atividade produtiva, e isso inclui um programa de benefícios fiscais e oferecimento de linhas de créditos capazes de tornar o território baiano ainda mais atrativo. Infelizmente, nada disso vem sendo feito, o que inevitavelmente fará com que a Bahia amargue perdas irrecuperáveis em sua economia nos próximos anos.
BJÁ: A arrecadação do ICMAS na Bahia vem caindo nos últimos meses, porém dados do IBGE apontam para um crescimento do PIB baiano, como você explica isso?
SF: Inicialmente, é preciso que estabeleçamos distinções entre a atividade econômica e a atividade financeira do estado. É perfeitamente possível o aumento do PIB (Produto Interno Bruto), sem que isso repercuta de maneira direta em um aumento da arrecadação. Aliás, diversos economistas têm questionado a utilização do PIB como medida de vigor econômico, já que ele não traduz os parâmetros de saúde fiscal de uma nação. A atividade financeira do estado, por outro lado, consiste em obter e despender recursos voltados a satisfação do bem estar coletivo, e isso se explica como a obtenção de receitas para investimentos e custeio da máquina pública, o que só pode ser feito mediante uma política eficiente de arrecadação e uma administração tributária eficiente na cobrança e fiscalização de tributos, o que foi seriamente comprometido com a tentativa de aparelhamento sindical da nossa secretaria da Fazenda da Bahia, que teve o seu momento mais crítico na aprovação da Lei 11.470/09.
BJÁS: A recusa do Secretário da Fazenda em adotar um programa de recuperação fiscal estaria comprometendo a eficiência tributária?
SF: A rigor não se pode afirmar isso, pois apesar do REFIS se constituir em uma ferramenta de administração tributária, se utilizado criteriosamente, e atualmente estar sendo aplicado em diversos estados - temos mais recentemente o amplo programa anunciado por Cid Gomes, no Ceará - a sua adoção vai muito da opinião pessoal do gestor. Contudo, uma coisa podemos assegurar: o REFIS permite que haja não apenas um expressivo ingresso de recursos, o que contribuiria para equilibrar as contas públicas, mas, também, a reabilitação de diversos contribuintes, o que é extremamente saudável para a economia, principalmente neste momento de crise. Vale dizer que o REFIS adotado pela Receita Federal tem sido um grande sucesso, possibilitando que milhares de empresas e pessoas físicas regularizassem suas pendências fiscais. Por outro lado é inquestionável que há um comprometimento técnico da máquina fazendária de nosso estado, já que, segundos dados do COTEPE, a Bahia continua com o pior desempenho do Nordeste, ficando na 26ª posição em desempenho dentre todas as Unidades da Federação. Para nós do IAF isso é muito triste, pois a nossa Secretaria da Fazenda e seus Auditores Fiscais sempre foram referência técnica em todo o Brasil, e a posição que a Bahia ocupa agora é angustiante.
BJÁ: O IAF anunciou que está desenvolvendo o projeto da Sefaz do Futuro, e, segundo informações, você seria o Coordenador, o que você poderia antecipar sobre isso?
SF: O programa da Sefaz do Futuro é um modelo de gestão, que passa por um conjunto de sugestões técnicas, inclusive quanto à independência da Administração Tributária e uma moderna lei orgânica para o Fisco. Ele se torna peculiar ao atual estágio baiano, porque está sendo elaborado por profissionais com vasta experiência técnica e visa oferecer respostas claras a pontos críticos, que, infelizmente, vêm passando despercebidos pela atual administração. Na realidade não se trata de uma resposta política à perseguição que vem sofrendo os Auditores Fiscais e sim uma forma do IAF contribuir com a moderna administração tributária, focada nas atuais tendências econômicas, tecnológicas e o efetivo reconhecimento da categoria como carreira de estado, como uma forma de blindar a administração financeira e tributária das malfadadas tentativas de aparelhamento da máquina pública.