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09/03/2018 às 18:36

MEU IRMÃO GILDENOR, o nosso tutor sempre amado

Era como o nosso tutor, o responsável por todos. Lembro quando minha irmã mais nova, a sétima, foi sozinha de ônibus, com 15 anos. Ficou trabalhando como a nossa doméstica, e agora é médica.

Mário Cesar Bertim


Gildenor Carneiro dos Santos
Foto: DIV
    Meu irmão Gildenor faleceu no Hospital Português, com problemas na aorta.  Era o segundo dos sete, e tinha 69 anos. Seis a mais que eu. 

    Sempre foi muito inteligente e dedicado. Em Serrinha, durante o Ginásio (equivale a da quinta série à oitava série do ensino fundamental) dava aulas particulares aos colegas, e fazia os cadernos de férias, pois desenhava muito bem. Os professores elogiavam muito bem ele, e diziam que ele deveria ir pra São Paulo fazer faculdade, pois Serrinha não tinha ensino médio.

   Ele juntou o dinheiro das aulas particulares e tarefas, e com 17 anos viajou sozinho pra São Paulo. Lá ficou morando no quartinho de um dos meus tios. Fez um bico num recenseamento, e com o dinheiro alugou uma quichinete (um quarto, banheiro, e a pia com o fogão logo na entrada), onde alojou os três beliches que comprou.  Aí cada ano que passava, um de nós ia para lá morar com ele. 

   Ele queria fazer Arquitetura na USP, mas o curso era diurno e ele precisava trabalhar (meu pai, sapateiro, pai de sete filhos nem podia pensar em mandar dinheiro). Então primeiro ele fez Matemática na PUC, enquanto trabalhava na Prefeitura, lá no Ibirapuera, onde conheceu nossa grande amiga, Vera Silva, para depois fazer Arquitetura na USP, enquanto dava aulas à noite, na Freguesia do Ó, e outros bairros da periferia.

   Nós chegávamos em São Paulo e entrávamos no colegial. Procurávamos logo trabalho, e fazíamos uma caixinha para pagar as despesas, instituída por ele. Cada um pagava proporcional ao que ganhava. Se ele ganhasse um terço da renda total, então ele pagava um terço das despesas, e a regra era assim para todos. Quem ganhava menos colaborava com menos. 

   Era como o nosso tutor, o responsável por todos. Lembro quando minha irmã mais nova, a sétima, foi sozinha de ônibus, com 15 anos. Ficou trabalhando como a nossa doméstica, e agora é médica.  Morávamos os seis naquele quarto pequeno, e éramos felizes, graças a ele.

   Terminado a Arquitetura, ele resolveu voltar a morar em Serrinha, onde passou a se dedicar à Pedagogia. Fez um mestrado na USP com uma dissertação sobre "A importância do erro na aprendizagem", e, depois dos 60, fez o doutorado também na USP sobre o padre Demócrito de Serrinha. A tese dele é tão acessada que uma editora alemã propôs a ele publicar um livro sobre o assunto. O livro ficou muito bonito e bem impresso.

   Gostava muito de cuidar dos outros. Quando os meus sogros japoneses vieram aqui, fez questão de guiar eles por Salvador, mesmo sem entender nada de japonês. Ficava exasperado quando sabia que eu tinha algum problema de saúde. Sempre que eu ia a Serrinha, trazia o violão dele para eu acompanhar as músicas de mamãe. Um violão com o punho quebrado, com um parafuso que meu pai enfiou para consertar, na única vez que foi a São Paulo nos ver. O violão pequeno, onde eu aprendi a raspar as cordas, e que ele guardou até o fim de sua vida,  com o maior ciúme. 

   No leito do hospital, a última coisa que ele pediu a minha irmã foi para colocar as notas dos alunos no sistema. Um funcionário público de responsabilidade. Um irmão inesquecível. 

   Não me enviem pêsames. Soa triste. Um abraço é melhor, como pediu Mario Cezar Bertin.


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