Colunistas / Causos & Lendas
Lobisomem de Serrinha

CARAVANA DOS VELHINHOS TRANSVIADOS DE SERRINHA VAI SE VACINAR EM S.P.

Lubi de Serrinha diz a esposa que é uma viagem científica. É coisa! Ela não come reggae e acha ciáles em sua bagagem.
13/12/2020 às 12:13
A minha aldeia é fenomenal. Depois que o humorista da Sucupira, de nossa zona rural próxima ao Campo Limpo - antes da curva da Vertente - Ney Lima apareceu no Fantástico (Rede Globo) mostrando seu vídeo "Hoje é um novo dia" paródia com atores locais, grande sucesso viralizado na internet, eis que, a Tour Serra está programando viagens de pessoas idosas e outras - Promoção Tour Vacina - excursão até São Paulo para aplicação do coronavac.

E, ao mesmo tempo, como ninguém é de ferro fazer turismo em Sampa e no decorrer da viagem.
A procura tem sido tanta que a primeira lotação de senhores com idades acima dos 75 anos apelidada de 'Clube do Bolinha dos Velhinhos Transviados' já se esgotou.

  Eu que não sou bobo fiz minha reserva escondido da Ester Loura, minha santa esposa, ela que tem medo de se vacinar e os chips dos chineses ou russos entrarem em sua vida, captarem seus dados pessoais, enfraquecerem sua inteligência e até invadirem sua gorda conta bancária oferecendo-lhe investimentos em aplicações de papéis que não conhece.

  O poeta Serafim Alves, 80 anos, que organizou essa lotação juntamente com o filósofo Pato de Almeida, 77, e mais o ilustrador Seramov, 79, diz que a procura foi tanta que não deu para quem quis.

  Passou-me pelo WatsApp a programação - justo para organizar-me - que consta, na ida, saída da Serra na madrugada com almoço na Churrascaria Trilha do Sul, em Vitória da Conquista, e pernoite no Real Minas Hotel, em Governador Valadares; no dia seguinte, almoço em Belford Roxo na Biferia Gril e pernoite em São José dos Campos, no Gold Tulip, com noite livre para assistir show strip-tease no Nayara's House; e no terceiro dia chega-se a capital paulista com hospedam no Hilton Morumbi.

  Após a vacinação do grupo está programada uma visita ao Museu Ipiranga, ao MAB e ao Centro Latino de Cultura, caminhada no Ibirapuera e footing na Paulista. No dia seguinte, retorno pela BR-101 litorânea com primeira parada em Belo Horizonte no Imperial Savassi e jantar no Tia Lucinha. Noite livre, com opcional no Go Go Girls & Boys.

  Daí, 24 horas depois, ruma-se para Porto Seguro com previsão de dois dias de estada e hospedagem no Grand Hotel Beira Mar, noite na Passarela do Álcool em mesa de pista, banho de mar na manhã seguinte e descanso e jogo de golfe; partindo-se daí para Ilhéus, 48 horas adiante, no Praiano Hotel, mais banho de mar e participação em campeonato de peteca. No final, a marinete segue para Serrinha com parada no Casarão de Pedra para almoço, no município de Ubaitaba.

  Achei a programação fantástica e guardei a sete chaves para Ester não bisbilhotar. Estava, então, nos meus afazeres diários no home office e liga-me o conselheiro do Encontro dos Amigos de Serrinha, Jorge Cuc, falando que tomara conhecimento da viagem do grupo Clube do Bolinha e pedindo que intercedesse junto ao poeta Serafim uma vaga para ele.

  Disse que, infelizmente, não poderia atender o amigo e expliquei os dois motivos essenciais: - Primeiro porque a barca dos velhinhos transviados está completa e tem uma fila de 12 serrinhas na espera se alguém desistir; segundo, só era permitido pessoas com 70 anos de idade arriba visto que, o acerto com o pessoal do Dória, permite  a vacinação rápida sem burocracia.

  CUC entendeu, mas insistiu que também tinha uma lista de espera com o Pinheiro, o Oliveira, o Lopes, o Simões, o Short, todos querendo ir a sampa. Por fim, disse-lhe que procurasse o Roque Bonitão que este estaria promovendo a barca do Vou de Samba com a mesma finalidade.

  Ao trabalho voltei e um pouco mais tarde dei duas camisas guaibeira para dona Joset passar, coloquei minha sunga colorida na mala, uma calça de linho branco, necesserie com remédios e objetos de asseio pessoal e fiquei a ponderar com Serafim, via WathsApp que achei a programação excelente, mas muito puxada e seria oportuno contratar uma ambulância e um médico para servirem de apoio.

  Serafim desconversou e disse que em todos os lugares que passariam tinha hospitais e UTIs e isso não seria necessário. Ademais, os shows strip e go go girls seriam opcionais, embora o grupo indicasse que iria a todos.

  Mais tardar e Ester entra no nosso quarto de dormir e se depara com minha maleta de viagem sobre a cama, tampa aberta - que esquecimento imperdoável esse meu - e vê as roupas bem passadas, chinelo de praia, calça na goma, meu sapato duas cores verniz acomodado num saco de tergal, escova de cabelo, creme de barba e outros apetrechos.

  Essas distrações me aniquilam. A Ester chegou ao home-office com a envelope da Tour Serra em mãos e bradando mais do que candidato a prefeito em campanha: - Pela mala arrumada e por roteiro aqui da Tour Serra vejo que o nobre parece estar programando uma viagem de turismo e nada me falou, nem consultou.

  - Desculpe a falha. Iria lhe comunicar hoje dessa minha intenção de realizar essa viagem científica para tomar a vacina contra a covid em São Paulo e desfrutar de algum lazer cultural, afiancei.

  - Viagem científica! Vacina contra covid! E pra que essa caixa de ciáles na bagagem, essa tira de jontex, esse perfume Pólo que você só usa em casos especiais? Ao que tudo indica pensas em ir para uma farra com seus amigos, certamente com aquele poeta do aipim, com o Seramov que é outro tonto, ver shows de mulheres peladas e ir ao banho de mar na terra descoberta por Cabral.

  - Diria que são lazeres opcionais. Eu mesmo não confirmei minha presença em nenhum deles reservando-me a dormir cedo no hotel, ir a algum local puramente cultural, e retornar a Serra vacinado.

  - Imagina se vou acreditar em sua lorota seu cara de peroba. Garanto que foi o primeiro a listar o nome no show de strip e a tomar assento na passarela do álcool. Depois, o nosso alcaide Lima já está providenciando a vacina para ser aplicada em postos de saúde da Sesab, tudo combinado com o Costa e o Vilas Boas, portanto, pode ir desmarcando sua viagem, ponha sua viola no saco e se vai usar esse ciális que usemos nós.

  Ponderei a Ester que já havia dado uma entrada no pagamento da excursão, havia colocado meu nome como imutável, e não ficaria bem deixar o grupo na mão.

  - Não quero saber. Ou desistem dessa patacoada ou vou convocar as femininas do Bairro da Rodagem e as ativistas da Barão de Cotegipe e vamos fazer um protesto em frente a Serra Tour, alertar a população para esse escândalo e ai vai ser pior expondo os nomes de todos vocês em placas e cartazes e chamando-os de velhinhos transviados, comunistas que não respeitam as famílias, devassos, incréus.

  - Ester! - falei em sinal de advertência - você precisa entender que o mundo, as suvacudas suas amigas também necessitam saber que estamos na era de Aquário, que os homens também são donos de seus corpos e que a ciência está acima de ideologias, de crendices, de adjetivações. Comunistas, entre nós, não há. Já houve, o finado Lélis, o imortal Atanázio da Leste, mas, hoje, nosso grupo é liberal, cristão, temente a Deus, admiradores do Alckmin, daí que esse protetos - se houver - não nos atingirá.

  - Veremos. A nossa aldeia vai acordar. Vai saber quem são vocês, gente da Ku Klux Kan, extremistas, doristas e essa marinete só sairá passando sobre nossos cadáveres.

  O dia da partida chegou. Aconteceu neste domingo de madrugada. A previsão era sair às 6h, da Morena Bela. Mas, diante desse eminente protesto, usamos as redes sociais e antecipamos a viagem para as 4 da matina. Quando as mulheres chegaram com seus cartazes visando nos desmoralizar, a marinete já tinha passado de milagres. O repentista Bule-Gule que foi contratado para animar a barca, pandeiro em mãos cantava: - Dois e depois são quatro/ seis mais seis são doze/ a barca da saúde segue na paz/ coronavac neles/ coronavac nelas.

  O poeta Serafim, ritmando a trova com palmas repicou: Se dois e dois são quatro/ Três e três são seis/ a ciência venceu/ coronavac neles, coronavac nelas.

   Discreto, ia sentado na cadeira 13, a 14 ocupada com uma tira amarela, e na 15 o ilustrador Sremov cochilava o sono dos Deuses.