SÊO MAMEDE, o sergipano que ensinou a baianada a beber uísque

Tasso Franco
12/11/2013 às 11:34
 O Baby Beef na atualidade integra o grupo Pobre Juan, maior grupo empresarial de restaurantes do Brasil que, de pobre não tem nada. Pelo contário: a casa fundada pelo velho Mamede Paes Mendonça, conhecido como Sêo Mamede, sergipano que chegou a Salvador jovem, comerciante nato de arame farpado e outros, foi ele quem ensinou a baianada a beber uisque.

   Mamede montou os primeiros supermercados da capital, uma rede monopolista que fez história na cidade em modernidade e também controle de preços, levando à mesa dos baianos as novidades e introduzinho os sistemas de autoatendimento derrubando e padarias galegas de então, obrtigando-as com o correr dos anos a se modernizarem.

   A Cesta do Povo, com ACM, nasce nessa época para permitir que as ações monopolistas da Rede Paes Mendonça fossem quebradas. Conseguiu em parte. Dizia-se, nunca devidamente provado, que o café do PM pesava 990 gramas, mas, marcava 1k. Eram tantas as histórias e folclore em torno do velo Mamede que, embora fosse extremamente discreto, tornou-se uma figura popular.

   Até a década de 1970 a baianada classe média só bebia Jacaré, conhaque Castelo e os uisques nacionais Old Eight e Natu Nobilis, este último o mais chique. Só os ricos, ainda assim, poucos, consumiam Old Par, 100 Pipers, Jack Daniel's e outros estrangeiros. 

   Havia os intermediários que também fizeram sucesso na classe média, o Bells (quando o sino batia era uma dor de cabeça da zorra), o Teatcher e o Passport (verde, quadrado e medalhado). Quase ninguém tomava vinho à moda atual, salvo durante a semana santa e nos verões na ilha de Itaparica. Vinho em garrafões de 5 litros.

   Foi Sêo Mamede, no Baby Beef, quem trouxe a Bahia uma representação do Ballantine's, uisque importando e engarrafado no Brasil, que se tornou uma coqueluche durante anos até perder o trono para o Red Label. Era tão chique ir ao Baby bebericar um "Bala 12" que virou sinônimo de status.

   O Baby Beef era o "point" de encontro dos empresários, de políticos, de comerciantes endinheirados, emergentes e profissionais liberais, especialmente nas sextas-feiras e sábados (o domingo era mais reservado às famílias) e as pessoas iam para lá a fim de trocar ideias, de fazer encontros de negócios, de paquerar, e para beber Ballantine's. 

   Tinha o "Bala 6" e o "Bala 12", assim apelidados, para diferenciar as idades de envelhecimento do produtos em 6 e 12 anos. O "Bala 12" era mais glamuroso e mais caro. Formar uma roda de amigos e colocar um "Bala 12" sobre a mesa era a prática dos emergentes.

   Lembro, que editor em A Tarde no final dos anos 1980, o jornal fechava tarde da noite e saíamos da redação por volta das 23h30min, meia noite, Reinivaldo Brito dando os últimos retoques na primeira página com Jorge Calmon ao telefone. A gente mandava alguém ir à frente, quase sempre o nobre Raimundo Machado seguir para o Baby Beff, porque a casa fechava por volta da meia noite, mas, se tivesse alguém dentro ficava bebericando até mais tarde, e a turma ia chegando depois para intermináveis saideiras. 

   Tinha garçom que tremia: "Ih! lá vem a turma de A Tarde". Sem essa, a gente ficava até 1 ou 2 da manhã jogando conversa fora com Davi Oliveira, Raimundinho, Cleber Torres, Valmir Palma (o novo), Paixão Barbosa, Roberto Vicente, etc. E, claro, bebericando o "Bala". Quando a coisa tava boa, ou seja, dona Regina tinha pago o saláro, era o "Bala 12"; quando não, "Bala 6".

   Diga-se, ainda, que naquela época, os produtos eram mais baratos, os garçons amigos caprichavam na choradeira (quase sempre dose e 1/2), e ainda se comia no Baby sem estrago nas finanças. Hoje, um mísero beef de tiras custa os olhos da cara, só para Bill Gates ou Eike Batista.

   Nos anos 90, todas as sextas e sábados ia ao Baby Beff com Pedro Irujo, numa época em que trabalhei com o basco, 4 anos, quase sempre sentando na mesma mesa numa roda de amigos com Marcos Cidreira, Alberto Balazeiro, Edmundo Portugal, Diego Espanha, eventualmente Luiz Pedro e Djalma Costa Lino e, claro, o velho Pedro que era quem pagava a conta. 

   Havia, na época do "Bala" um chiste dando conta de que, quando um político queria aparecer aos demais no amplo salão do Baby pedia para um amigo lhe telefonar (ninguém tinha celular nesta época) no número do restaurante dizendo que era o governador do Estado. 

   Aí a atendende pegava o microfone e avisava em alto bom som: "Atenção Sr Fulano de tal, o governador está no telefone e quer lhe falar urgente". O camarada não levantava de primeiro para dar tempo a moça fazer novo aviso sempre no mesmo tom: "Sr Fulano, o governador está na linha e pede urgência". 
  Aí o sujeito se levantava da cadeira atravessava o salão e ia atender o telefone. E ficava na bancada, ao lado do bar, gesticulando bastante e mostrando um falso prestígio. Com os empresários e comerciantes, a dica era dizer que Norberto Odebrecht, o empresário mais famoso da Bahia, estava na linha. Era uma galhofa.

   Hoje, a mania da baianada é saborear vinho. Tem até sessões de degustações. Quem ajudou a difundir na Bahia a prática de se beber vinho foi Pepe Faro, o galego dono da Perini, o qual eventualmente levava jornalistas para conhecer o circuito Elizabeth Arden na Galícia (Pontevedra, Vigo e Santiago de Compostela) na base do 0800. 

   Hoje parece ridiculo neguinho tomando vinho até em casa de praia, sol a pino, achando elegante. Até tem praiano que diz: - Só falta o frio europeu.

   Bons tempos mesmo foram aqueles do "bala" de Sêo Mamede. Mais de 10 a 15 anos até que o red e o black tomaram conta do pedaço. O red é o "bala' 6 e o black label o "bala" 12.  A baianada trocou de marca, mas, não se bebe mais uisque como antigamente, como na época do velho Mamede.