A DIFERENÇA DOS BARES DA SALVADOR DE ONTEM E DE HOJE p WALMIR ROSÁRIO

Walmir Rosário
25/02/2024 às 11:02
Há uns 20 dias liguei para o amigo e confrade José Senna, que atualmente goza de sua merecida aposentadoria em Salvador. Pelo visto, continua com a elegância e fleuma dos tempos em que morou em Itabuna e Rio de Janeiro. Para ele pouco importa a cidade e sim as pessoas com as quais convive, sem se incomodar muito com as dificuldades das cidades grandes e dos perrengues das cidades menores.
É um estilo de vida que merece parabéns. E meu contato com era Senna para ajustar um pequeno evento do Beco do Fuxico, em Itabuna, que embora a distância que separa as duas cidades ele continua com sua influência ativa como promoteur amador. Na despedida, Senna me diz que teria de desligar pois estaria de saída com a esposa para um culto. Antes que minha cabeça desse um nó, me liguei e disse: “Ore três cervejas por mim”. Desvendei a pressa.

No dia seguinte continuei a pensar como conviver na Salvador de hoje, com ares, jeito e vivência das grandes metrópoles. Confesso que atualmente pouco visito Salvador, e quando vou fico agoniado com movimento de pessoas e carros num ir e vir incessante. Pouco bares “dos meus velhos tempos tempos” ainda continuam em pé e em plena operação, a exemplo da Cantina da Lua, do eterno Clarindo, no Terreiro; e Habeas Copus, de Sérgio Bezerra, na Barra.

Cito esses dois, mas dei expediente em vários e nos diversos cantos da cidade, sem falar naqueles em que você é convidado para experimentar uma boa batida, uma cozinha caseira de primeira qualidade e a cerveja bem gelada. Mas como disse no início, um boteco só é funcional com gente, bons frequentadores, daqueles que um completa o outro, tanto na alegria como no esforço para sair dela.

Após três anos sem dar um pulinho em Salvador, eis que em plena quinta-feira em que começava o Carnaval de 1976, aporto na capital baiana, e para ficar por um bom tempo, com ânimo quase definitivo. Iniciei pelos botecos conhecidos, muitos dos quais já foram fechados, e fui sendo apresentado a outros pelos novos amigos e fui me acomodando de mansinho, como deve estar escrito nos manuais de boas maneiras de botecos.

A Bahia de 1976 era bem diferente da de 2024. Também pudera, separam 48 anos. Naquela época tive a oportunidade de conhecer pessoas notáveis, como Norberto Odebrechet, que implantava o bairro chic Caminho das Árvores (e não dispensava o bate-papo matinal), em frente a casa que construía. Cabe aqui dizer que Salvador e as cidades em seu entorno estavam em ebulição. 

Camaçari e Dias D’Ávila com o Copene e Copec; Acesso Norte, Patamares, Canal de Tráfego, bairros inteiros, a exemplo do Stiep, onde eu morava. Impossível nomear pessoas que convivi – no trabalho e no lazer –, até dar um adeus temporário da capital baiana por um bom tempo, isto numa quinta-feira, 13 de janeiro de 1977, dia Consagrado ao Senhor do Bonfim e que não participei do cortejo, sequer da segunda-feira gorda da Ribeira.

Para não fugir do tema, retorno ao fio da meada para os meus cicerones pela nova Salvador que se anunciava. Eram Jorge Nogueira, Hélio Fernandes, César (Bom Cabelo) e Toinho (depois conhecido como da Mont Engenharia), aos quais peço desculpas pelo esquecimento, coisas próprias da idade que avança. Eles me apresentaram e eram parceiros do Habeas Copus.

E no Habeas Copus fiz carreira aos fins de tarde. Bastava sair do escritório, na Mílton de Oliveira, e me abancar por horas a fio para desfrutar dos bons artigos para beber e comer, desfrutando de um serviço perfeito. E os temas das conversas, então, eram pra lá de interessantes. Enquanto os parceiros não chegavam olhávamos para o casal da casa em frente praticando o Cooper em volta de sua residência enquanto bebíamos. Aos domingos, as visitas eram ao Juvená, em Itapoã; e Boaventura, no Stiep.

Foi no Habeas Copus que tive a oportunidade de conhecer o engenheiro “Malaca” Bezerra, que assim que chegava das obras, cumprimentava os presentes, bebia os primeiros goles e dizia em alto e bom som: “Hoje minha preocupação é se eu ganhar cem cruzeiros (moeda da época) beber ele todinho, pois se eu deixar para amanhã Delfim Neto só vai deixar eu beber noventa”, dizia jocosamente reclamando da inflação da época.

E ali no Habeas Copus encontrávamos gente variada, inclusive Abelardo Moreira (Bel), de Itabuna, grupos diferentes, porém interessantes, pois o local não era lugar para pessoas sem graça. Sabíamos das novidades mais recentes do governo e particulares, éramos apresentados aos amigos dos amigos, num networking de fazer inveja, na índole da Salvador em metamorfose. A cidade efervescia, mas sem perder o estilo elegante.

Àquela época, a amizade e confiança conviviam juntas e as oportunidades surgiam como num passe de mágica, mesmo quando não se esperava ou a pessoa não gozava de prestígio para tanto. Lembro-me que certa feita um “amigo” chega pra outro ao meu lado e informa que tinha conseguido a representação de uma fábrica de cimento e solicita que o apresente ao pessoal das obras do Copene. Passa a ele um cartão para um dos engenheiros e duas semanas depois esse amigo chega bastante eufórico e diz pra nós:
– Obrigado, acabei de vender um trem com cimento. Carga fechada –, comemorou.

Sem que a ficha tivesse caído, brindamos o feito com um parabéns, como se fosse a coisa mais simples do mundo. É a convivência perfeita de boteco, mesmo os sofisticados. Aviso ao confrade José Senna que em breve marcaremos um “culto” desses nos bares em que ele frequenta e um reconhecimento ao Habeas Copus.