A INDEPENDÊNCIA DA BAHIA SEM FOLCLORE E SEM PAIXÕES

Tasso Franco
06/07/2009 às 22:24
Foto: BJÁ
A cabocla tem relação com Catarina Paraguaçu e o nativismo tupinambá e não com candomblé
  Tendo dito neste espaço que a história da Independência da Bahia precisa ser reescrita sem as tintas do folclore e sem os excessos de heroismo que estamos a presenciar, em tempos idos; e também mais recentemente quando se relaciona o movimento de nativas gameleiras de Itaparica como heroismo e a refrega marinha de João das Botas para impedir a entrada de uma nau portuguesa ao Recôncavo visando abrir caminho de abastecimento ao cerco de Madeira de Melo, como uma batalha naval.

            No rigor da história, nunca houve batalha naval; nem muito menos heroismos tais e quais, a começar pelo episódio envolvendo Joana Angélica e Daniel Lisboa; lutas em Cachoeira e ações militares de Maria Quitéria. Nem Batalhão de Negros, nem batalhas campais que se aproximassem da Guerra contra o Paraguai, nem uma ameaça a soberania do Império Nascente porque Portugal não tinha poderes econômico e militar para ocupar o Brasil Continental, e a Bahia já deixara de ser o centro do poder político, estratégico e econômico desde 1763, quando perdeu a condição de capital da Colônia para o Rio de Janeiro na reforma pombalina.

           

            Não estamos aqui a desmerecer o fato histórico em sí, sem dúvida relevante e emblemático para a Bahia, com lutas para reconquistar a capital baiana ocupada pelo governador das armas brigadeiro Madeira de Melo nomeado em 11 de fevereiro de 1822 através de Carta Régia de Dom João VI para tentar manter a supremacia política no Brasil, desde que seu filho Dom Pedro I, em 9 de janeiro de 1822 (Dia do Fico) decide permanecer no país e, logo depois, em 31 de janeiro, nomeia uma junta de governo da Bahia, com Francisco Vicente Viana, presidente; e Francisco Elesbão Pires de Carvalho e Albuquerquer, secretário, ambos de tradicionais famílias de Salvador e Recôncavo, descendestes de Diodo Álvarez, o Caramuru.

           

           Então, os conflitos iniciais pela Independência da Bahia se registram em Salvador (e não em Cachoeira) quando Madeira de Melo reuniu o Conselho Militar dos Corpos de 1ª e 2ª Linha, recebeu apoio da Brigada de Cavalaria e da Legião Constitucional Lusitana (todos portugueses) e foi pra luta contra os nativistas apoiados pelo 1º Regimento de Infantaria, Artilharia e Legião de Caçadores. Isso aconteceu em fevereiro de 1882 e o palco da "guerra" urbana deu-se no centro da cidade entre a Piedade, Mercês e Forte de São Pedro.

           

          O ponto alto foi a tomada do Fote de São Pedro quando o brigadeiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães (comandante nativista) foi dominado, preso e enviado para Lisboa no navio Glauter. Estima-se que morreram 100 pessoas, sendo 60 do lado brasileiro e 40 de portugueses. É a partir desse embate que combatentes portugueses (alguns embriagados) perseguem brasileiros que escaparam do Quartel da Mouraria para as roças dos Barris e Tororó, invadem o Convento da Lapa e matam a golpes de baioneta a sóror Joana Angélica e abatem a coronhadas o capelão Daniel da Silva Lisboa.

           

            Ora, esse foi um momento casual, a sóror tentando impedir a entrada de soldados portugueses no convento que é uma clausura, o mesmo acontecendo com Daniel Lisboa. Mas, nem Joana Angélica; nem muito menos Daniel Lisboa (que não morreu, recebeu coronhadas e depois foi socorrido) não estavam engajados em nenhum movimento nativista. Se fizermos um comparativo com Dom Timóteo, o abade do Mosteiro de São Bento que abrigava estudantes nas lutas contra a ditatura de 1964, aí sim, este abade sabia o que era o movimento e se engajara nele como religioso. Embora não tivesse morrido como Joana Angélica, dom Timóteo "lutou" pela causa.

           

             O episódio de Cachoeira acontece em 25 de Junho de 1822, momento em que a Câmara cachoeirana declara Dom Pedro como regente e se insurge contra o chefe da Junta de Governo da Bahia, Madeira de Melo. É um movimento importante (em termos) da história porque se instala um governo provisório da Bahia em Belém de Cachoeira, mas, a escuna que Madeira envia a Cachoeira para bombardeá-la não tinha poder de fogo, nem tropas de ocupação. Então, não houve luta alguma.

           

              Há um conjunto de ações a partir da ocupação definitiva da capital por Madiera de Melo (janeiro de 1822) para expulsá-lo da Bahia e Cachoeira entra na história por este feito, embora, a organização das forças para destituir a Legião Constitucional Lusitana se dá em várias frentes, em Itapuã a partir da Linha Norte; na Área Suburbana da Cidade e nos campos de Pirajá. Madeira de Melo não tinha forças pra sequer, ocupar o Recôncavo.

           

              Ficou, isto sim, encastelado em Salvador, resistindo o quando pode e tentando furar o cerco para abastecer-se de alimentos via Itaparica (mas não conseguiu), a esquadra de Lorde Crochane organizada por dom Pedo I não tinha bocas de fogo para destruir a esquadra portuguesa e aguardou os acontecimentos do cerco ancorada em Morro de São Paulo. Aconteceram lutas para ocupar Salvador, até que, em "in silencio noctis" Madeira embarcou suas tropas nos vasos de guerra e navios mercantes e zarpou para Lisboa na madrugada de 2 de Julho de 1823.


            Se Madeira tivesse resistido até a morte em Salvador, aí sim, teria havido uma batalha urbana sem precedentes na história da cidade, porque o Exército Pacificador estava em farrapos, cansado, sem municação e armas adequadas e as forças lusitinas eram de melhor qualidade em treinamento e armas. Mas, nada disso aconteceu. E os portugueses foram embora do Brasil sendo seguidos pelas naus de Crochane, ao longe e ao largo.