A SANDÁLIA DE PESCADOR DE RÔMULO ALMEIDA,

Antonio Jorge Moura
10/02/2009 às 09:02
Foto: Foto: BJá
Momentos das Diretas Já no Brasil e na Bahia
   Calçando a sandália de pescador. Já que o ex-seminarista-jornalista-amigo Zédejesusbarreto referendou os registros históricos que relatei aqui - ACM liberou o Centro de Convenções de Salvador para o Movimento Estudantil brasileiro, controlado pelo PCdoB, reorganizar a União Nacional dos Estudantes (UNE) e Salvador abrigou Comício das Diretas Já.
 
   E ratificou meu leve equívoco - o jornalista e ator Ruy César Costa Silva não é Luiz César -, decidi ativar meu arquivo mental sobre parte da história da Bahia pós-64 e da participação baiana na luta pela redemocratização do Brasil.
 
   Outro dia encontrei o professor e ex-deputado federal pelo PMDB Hildérico Oliveira - um velhinho muito simpático, que merece ser entrevistado pelos veículos eletrônicos de comunicação e conhecido pelos mais jovens.

   Dele, a primeira lembrança que tenho vem do economista Rômulo Almeida, ex-presidente do velho MDB da resistência democreática, que me disse que o único partido oposicionista legal durante a ditadura militar só sobrevivia na Bahia graças a ele (Rômulo), ao velho comunista Fernando Santana e ao deputado Hildérico Oliveira.

   Só eles contribuíam para cobrir as despesas das finanças do partido. Que na época funcionava no primeiro andar de um prédio antigo no Relógio de São Pedro, centro de Salvador.

    Hildérico Oliveira era tido como político moderado, conservador, dono do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Nazaré, perto do Severino Vieira, numa época em que a estrela da oposição na Bahia e no Brasil era o bravo deputado federal Francisco Pinto, de Feira de Santana, que foi preso e cassado pela ditadura quando ocupava a prefeitura de Feira.

    O professor Hildérico conta uma historinha fantástica. De que subiu á tribuna da Câmara dos Deputados, em Brasília, e fez um discurso inflamado contra o tratamento salarial que o governo ditatorial da época dedicava aos professores da rede de escolas públicas. Quando desceu da tribuna, foi atalhado por um colega parlamentar que lhe recomendou ir mais devagar porque senão correria o risco de ter o mandato cassado pelo regime militar.

   A surpresa foi descobrir que o conselheiro era nada mais nada menos do que o deputado radical Francisco Pinto, que acabou cassado porque desceu o malho no ditador chileno Augusto Pinochet.

   Se Salvador teve comício das Diretas Já, Jequié teve a primazia de acolher o primeiro comício pelas eleições diretas realizado na Bahia, que só assistiu ao crescimento da força oposicionista depois que o PP (Partido Progressista), fundado por Tancredo Neves, foi incorporado pelo PMDB, o herdeiro do MDB. E os dois formaram, em 1982, chapa majoritária para concorrer ao governo e a uma vaga do Senado, na primeira eleição direta para os governos estaduais depois do golpe militar de 1964.

   Foi candidato o ex-governador Roberto Santos, filho do criador da Universidade Federal da Bahia, o reitor Edgard Santos. Roberto Santos ocupara o cargo depois que foi nomeado pelo general-presidente Arthur da Costa e Silva. Após o mandato indireto, RS fundou na Bahia o PP tancredista, que acabou incorporado pelo MDB e elegeu Tancredo Neves presidente da República.

   Santos acabou candidato a governador na primeira eleição direta para os governos estaduais pós-64. O candidato a vice-governador da chapa foi o histórico Rômulo Almeida, que anos antes havia "calçado sandálias de pescador" para percorrer a Bahia numa atitude de resistência democrática como candidato a senador pelo velho MDB.
 
  Na época, o estado tinha 317 municípios e o MDB era organizado em apenas 60 deles. A fama do partido era de ser formado por "subversivos" e não conseguir reunir mais de dez pessoas em praça pública. O candidato à vaga do Senado em 1982 foi Waldir Pires, que em 1986 foi eleito governador da Bahia e renunciou ao cargo para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Ulysses Guimarães, na primeira eleição direta para Presidência da República.

   A chapa Roberto Santos-Rômulo Almeida percorreu cerca de 300 dos 317 municípios baianos em dois meses de campanha nas eleições diretas de 82. E abriu caminho - acumulou força, como se diz em linguagem política - para a vitória de Waldir Pires em 1986.

   Outro episódio que me vem à mente foi o desastre aéreo em Caatiba, na região de Itapetinga, que ceifou a vida do candidato da Arena ao governo na eleição de 82, o ex-presidente do Baneb, Clériston Andrade. E de quase uma dezena de políticos. De uma hora para outra a base do governo ficou sem candidato.

   O escolhido para substituí-lo foi o ex-prefeito de Feira de Santana, João Durval Carneiro, atual senador pela Bahia e pai do prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro. A oposição estava naquele dia do desastre em Feira de Santana. Num comício de Luciano Ribeiro, candidato pelo MDB a prefeito de Feira que na verdade era ligado ao velho "Partidão", o Partido Comunista Brasileiro.

   Quando o velho MDB soube e confirmou o desastre e a morte de Clériston Andrade, suspendeu o comício e declarou-se em luto de três dias. Rômulo Almeida foi ao Campo Santo para o sepultamento do corpo de Clériston Andrade. Naqueles tempos de resistência democrática havia espaço para a solidariedade democrática mesmo em plena batalha política-eleitoral.