CENA DE RUA NA CIDADE DO SALVADOR

ZédeJesusBarrêto
22/11/2008 às 15:15

  Uma da tarde, sol a pino, vento do mar batendo e refrescando o corredor de cimento   central de Salvador, cheia de dengo na voz, manhosa, a negona de carne maciça e cara gostosa, ambulante-camelô que sobrevive de dois tabuleiros de bugiganga paraguaia no passeio da avenida Sete pede ao parceiro de rua ao lado, um mulato do mesmo tope e simpático, com toda intimidade:


- Ô pai, espie essa mercadoria pra mim aí, um instantinho, enquanto vou ali de junto fazer uma merenda e aliviar a bexiga, vai!


- Eu não! Nem vá esperando que você não me merece!


- Ôxente! Tá me estranhando, é? Lhe fiz o quê pra não lhe merecer?


- Você é que andou me estranhando por aí, desconfiando da minha pessoa !


- Desconfiando como assim que o sinhô fala? Que história é essa que eu nem mermo estou sabendo?


- Se nem mermo vosmecê sabe o que fala!


- Olhe seo mínimo, algum vagabundo ou vagabunda aqui da área andou lhe emprenhando os ouvidos, por conta da nossa amizade, não foi não? 


- De que amizade é que você tá falando?  Eu hein !


- Quié isso, pai, assim é você que tá me ofendendo!


- Não gosto de disse me disse, mas você não jogou malícia contra a minha pessoa, no dia que fiquei olhando suas mercadoria, dizendo que tinha sumido uma merda de um controle remoto de dez real?


- Ó paí ó! Eu não disse que foi você, tá vendo ?


- Mas desconfiou! Pegou mal pra mim. Não sou dessas coisa e não preciso da porcaria de seus dez conto!


- Porcaria não sinhô, que é fruto de meu suor ! Dez real pra mim é dinheiro!


- Então tome conta de suas coisa e me deixe fora ... me erre! Peça a alguém que você confie pra pastorar seus bagulho, pronto.


- Porra, broder, puta que pariu ! Eu aqui com uma fome retada, uma vontade da porra de mijar e você fazendo cu doce por causa de uma bobagem que já passou, já tinha até me esquecido? Qualé a sua?


- Passou um cacete! Esqueceu você, que ofendeu a minha pessoa. Mas pra mim quebrou a guia da nossa amizade...  foi uma desconsideração!


- Vai, pai, deixa de bobagem! Que é que você quer de mim?


- De você mermo... nada! So pensava que você tinha de mim alguma consideração !!!


- Eu lhe considero, misera !  Você sabe... Se não considerasse, tava lhe pedindo? Deixa eu dar um xêro, um agrado, que passa essa zanga!


- Vai tomar no rabo, sua nêga safada! Num tô zangado não!  Deixa essa porra aê que eu olho pra você, mas não demore !!!


- Você é um amor, paínho!


- É, mas não tô comendo seu reggae não, que eu tenho vergonha na cara! Mais tarde a gente tira isso a limpo, viu?


- Viu, gostosinho ! Fui. 


Assim, a nêga saiu sacudindo o rabanete e entrou zunindo beco a dentro, com aquele riso aberto na cara deslavada, redonda e bela. 

O ‘compadre' azuretado já mais manso acompanhou o jogo de saia e da bunda dela com os olhos, riso maroto, soltando o veneno entre os dentes:


- Ainda tomo uma surra de buceta dessa nêga! Só não sei o que vai ser de mim depois!

   Crendeuspai!


E benzeu-se com a mão esquerda:


- Oi aí, fregueza! O controle remoto sai a dez real! É original, pode levar!