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Tasso Franco

O CARNAVAL EM QUE JORGE AMADO SUBIU NO TRIO ELÉTRICO

O Carnaval de 1985, em Salvador
01/02/2012 às 02:03
Foto: BJÁ
1985: Jorge Amado, Edvaldo Gato, Tati Moreno, Tasso Franco, Kika Carvalho e Ana Cristina
   1984 foi o ano em que se comemorou, oficialmente, o Centenário do Carnaval de Salvador.

   Antes de 1884 havia, no centro da cidade, manifestações do Entrudo, melança e piripapos carnavalescos dessa herança européia que, trazida pelos portugueses ganhou, na Bahia, essa brasilidade com tupinambás e negros africanos.

   Daí essa mistureba que representa o Carnaval, nos dias atuais, nas ruas, nos clubes (camarotes), nas feijoadas, festas pré-carnavalescas e assim por diante.

   Em 1984, era prefeito da capital (nomeado pelos milicos), Manoel Castro, e o governador fora eleito pelo voto direto, em 1982, João Durval Carneiro.

   Participei da organização desse evento (centenário) promovendo a assessoria de imprensa com Eliana Dumet na organização carnavalesca, emprestados que fomos por Paulo Gaudenzi, da Bahiatursa, e seguimos nessa mesma pisada, em 1985, quando Eliana decidiu em comum acordo com o prefeito Manoel, Gaudenzi e o governador Durval homenagear Jorge Amado,  com o tema "O País do Carnaval".

   Para quem não sabe este é um dos livros do grande escritor baiano, até hoje bastante atual, que trata do tema Brasil tropical Carnaval & anarquias afins.

   Foi escrito em 1931 e narra a trajetória da personalidade Paulo Riger, intelectual brasileiro com formação européia que contesta a mestiçagem a partir do Carnaval como fator de atraso.

   Nessa época, Salvador era bastante provinciana (hoje, ainda é, em parte) e eu já tinha 18 anos de profissão no jornalismo, atuara como carnavalesco de A Tarde e boa bagagem de redação.

   Todo jornalista de minha geração já tinha entrevistado Jorge Amado. Era como crente que entra numa igreja: tem que ler a bíblia.

    No jornalismo baiano também era assim: o batismo era entrevistar Jorge Amado (literatura), Luiz Viana Filho (política), Rômulo Almeida (economia), Orlando Gomes ou Raul Chaves (direito), Mirabeau Sampaio ou Mário Cravo Jr (artes visuais), doutor Mascarenhas ou Rubim de Pinho (medicina), Norberto Odebrecht (engenharia), Tereza Pacheco (SSP), Mário Lima (sindicalismo) e assim por diante.

   Nas redações havia listas. O chefe de reportagem já sabia quando tinha um caso cabuloso de crime: "Vai ouvir Raul Chaves". E aí passava o telefone.

  Eu mesmo já tinha falado com esse povo todo aí e mais outras personalidades como Nelson Dahia (Comércio), Orlando Moscoso (Indústira), Ramos de Queiroz (INSS). Não tinha muita gente pra se ouvir e ficava uma repetição danada.

   Conhecia (modo de dizer) Jorge Amado desde 1971. Tinha escrito uma monografia sobre "Serrinha: Estórias e História" e como Jorge tinha uma coluna de literatura em A Tarde, certo dia coloquei o livro debaixo do braço e fui até sua residência na Rua Alagoinhas, Rio Vermelho, para lha apresentar a "obra".

   Isso na maior cara de peroba porque Jorge era uma pessoa amigueira, educadissima, assim me diziam, ele não bateria a porta na minha cara.

   E assim foi feito, levei o livro até o dito, fui recebido por momentos e, dias depois, numa de suas resenhas em A Tarde estava lá um comentário sobre minha "obra".
Jorge dizendo que estava muito feliz em falar de um novo escritor que colocava as coisas do sertão na literatura e situando como era importante essa memória da vida dos municípios do estado.

   Daí que fiquei numa alegria imensa, mandei-lhe meus agradecimentos e não bicava um dos seus lançamentos de livros, quando ele ainda se dedicava a esse esporte.

   Portanto, quando a senhora Dumet me convidou para integrar a equipe do Carnaval que homenagearia Jorge, gostei muito e lá fui eu com toda satisfação, redobrada até porque os autores da decoração (ainda se fazia isso na cidade) do Carnaval seriam Tati Moreno e Gato (Edvaldo Gato) e eu me dava bem com Gato, era meu amigo de goró de longas datas com Raimundo Machado e uma amigas que tínhamos no Largo 2 de Julho. Farras boas, de virar noite pelo dia, no Mocambinho e adjacências.

   Fomos tocando o projeto até que um dia Eliana me chama na sua sala e me diz o seguinte: - Tá tudo organizado, Jorge aceitou ser homenageado, o projeto está pronto, mas você terá que fazer um texto de apresentação para uma reunião que teremos com o escritor.

   Literalmente, tremi as calças. - Como farei isso para o maior escritor do país? - respondi. - Olha se vira nos trinta (ainda não tinha essa expressão, mas algo parecido), lê o livro ou os livros do camarada Jorge e dia tal vamos para o encontro", sentenciou.

    Fui pra casa (já tinha O País do Carnaval) e passei no sebo Brandão para adquirir outros compendêndios de Jorge e tome a estudar os personagens e a cultura amadiana. Como não iria fazer uma tese de mestrado, em um tempo razoável estava com o texto pronto: uma lauda e poucas linhas na segunda página.

   Levei para Eliana, conversei com Gato em sua casa atelier de Brotas, tomamos uma caminhoente de brahmas, e no dia acertado estavamos à postos, no Campo Grande, para o encontro.

   E aí, diante do camarada Jorge saquei o papel do bolso e comecei a ler o bendito texto com aquele ar teatral, interpretando igual ao ator Bião. Findo o teatro, Jorge olhou, me cubou de cima abaixo e disse: "Está ótimo".

   Deixe-me ver aí: pegou, olhou, releu e disse tá tudo bom, vai ser uma grande festa.

    E foi mesmo. Jorge esteve no camarote da Prefeitura no Campo Grande e desfilou num trio elétrico levando por Rubinho dos Carnavais. Salvo melhor juizo chegou a vestir a mortalha do TietVips. Foi a primeira e única vez que Jorge subiu num trio.

   Doze anos depois, em 1997, na gestão Imbassahy prefeito, eu como secretário de Comunicação da Prefeitura de Salvador e Eliana Dumet como presidente da Emtursa nos encontramos de novo na homenagem que a cidade lhe fez no Carnaval com o tema "Tieta: Eta Carnaval Porreta", um dos mais marcantes desta cidade cidade com Gal, Caetano e os novos baianos cantando no trio e Jorge no camarote da Prefeitura, feliz da vida, já velhinho. Morreu em 2001.

   Em 2012, a Prefeitura de Salvador (gestão João Henrique, filho de João Durval) faz nova homenagem a Jorge Amado nas comemorações do seu centenário de nascimento e a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense também homenageia o grande mestre. Saravá!