Colunistas / Política
Tasso Franco

SÃO BERNARDO X MARÍLIA MURICY

É o mais complicado caso do governo Wagner nas suas relações institucuinais
14/01/2008 às 10:03
  O caso envolvendo a secretária de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado, Marília Muricy, e o advogado Sérgio Augusto São Bernardo, é o mais grave no âmbito das Relações Institucionais do Governo da Bahia, porque se confrontam duas autoridades do primeiro e segundo escalões, ambas com currículos considerados invejáveis, assentados em bases de conhecimentos jurídicos e humanísticos, ambas com tradições político-partidárias, portanto bem amparados, e ambas com capacidade de mobilização de segmentos organizados e da opinião pública.

  Daí que, para um governo que está se iniciando, tem apenas 1 ano e alguns dias de poder efetivo, sem contar com a fase de organização preliminar pós-eleitoral no final de 2006, quando Sérgio participou como colaborador da equipe de transição e formatação do novo governo, assumindo a partir daí a direção do Procon, órgão subordinado a secretária Muricy na estrutura da SJCDH, trata-se de uma situação bastante complicada. E bote complicação nisso uma vez que, as partes em litígio, longe de sentarem à mesa diplomática de negociações partiram para o confronto.


  De um lado, uma acusação gravíssima de "racismo institucional e assédio moral" por parte do advogado São Bernardo contra a atitude da secretária Marília Muricy, no trato com seu subordinado então diretor do Procon. Do outro, a defesa da secretária considerando essa afirmativa inverídica e muito além da imaginação porque, a rigor, o que houve no seu entendimento foi uma insubordinação do seu assessor, ato que considerou falta administrativa grave, daí sua exoneração. Não mais do que isso. Em contrapartida, para preservar a sua dignidade e vida funcional de longos anos alicerçadas na defesa dos direitos humanos, ingressou com ação reparatória, considerando a divulgação da versão do seu ex-assessor via-internet, por carta aberta, como ato difamatório e calunioso.


  As armas, pois, ambas ensarilhadas com baionetas à mostra, São Bernardo amparou-se em duas dezenas de entidades organizadas do Movimento Afro-Baiano. E, além de não aceitar as explicações da secretária Muricy como verdadeiras, manteve as acusações, sobretudo de humilhação à sua pessoa, o que caracteriza o assédio moral, 25 instituições protocolaram uma representação no Ministério Público Estadual depois de um encontro com o procurador geral de Justiça, Lidivaldo Britto, não só confirmando nos seus entendimentos que a secretária praticou "racismo institucional e assédio moral", como ampliar suas ações no âmbito que a secretária mais preza, os direitos humanos.


  Argüiram na representação que a secretária Muricy tem sido negligente com as questões dos direitos humanos dos negro mestiços baianos, e arrolaram no requerimento os casos do assassinato de Edvandro Pereira, aspirante da Marinha morto por policiais, em 2007, e o seqüestro de moradores da localidade quilombola de Maracangalha. As 25 entidades, da Steve Biko ao Movimento Negro Unificado, consideram Muricy "omissa" em relação aos direitos humanos e de ter boicotado todo o trabalho que São Bernardo tentou imprimir na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. A indignação chegou a tal ponto que o dirigente máximo do MNU, Hamilton Borges, disse à imprensa que " a secretária fracassou e levará o governo estadual ao fracasso total se não mudar as suas relações raciais no interior de sua gestão".


  Novos lances se seguiram a partir desse episódio e da representação no Ministério Público, com ampla divulgação da mídia local e respingos iniciais no Palácio de Ondina, uma vez que os movimentos negros se entrincheiraram numa posição de honra, não aceitando uma reparação como a inicialmente proposta ou organizada pelo secretário Luis Alberto, uma personalidade respeitadíssima entre as lideranças desse segmento afro-baiano e que imaginou recolocar São Bernardo em algum novo cargo da administração pública estadual, apagando-se, assim, o episódio com uma borracha.


  Nada. Hamilton Borges colocou na semana passada uma frase que, se analisada em todas suas minúcias, vê-se que, além de uma provável reparação a São Bernardo, o governador Wagner mantendo Muricy no comando da SJCDH vai enfrentar muitos obstáculos em sua trajetória administrativa e política. Disse HB: "Não permitiremos que práticas racistas e autoritárias contraproducentes à política do governo, que se diz democrática e participativa, humilhem ou persigam qualquer um dos nossos".


   Novos confrontos e manifestações já ocorreram no último final de semana, com um ato de desagravo à secretária organizado por setores da Ordem dos Advogados do Brasil e estudantes de direito, no auditório da entidade. E, no outro front, em frente a sede do Procon militantes do MNU levantaram suas bandeiras e "armas" em defesa da dignidade de Sérgio São Bernardo.


   Tem-se, aí, portanto, um quadro grave nas Relações Institucionais do Governo, sem previsão de término a curto prazo porque já estão correndo ações no Ministério Público, envolve segmentos institucionais poderosos (OAB, UFBA, MNU, etc.) e que poderá causar um estrago enorme na imagem do governo Wagner, sobretudo porque existe uma rede web em movimento disposta a aceitar todo tudo de informação, o MNU internacional é poderoso e só os termos "racismo institucional e assédio moral" assustam qualquer governante.


   Obviamente que qualquer governador está sujeito a situações dessa natureza porque faz parte das atribuições desse cargo , que é o mais complexo e importante do Estado. É verdade que o governo Wagner tem se portado com respeito e atenção a todas as entidades e segmentos da comunidade afro-baiana, colocou em cargos de primeiro escalão muitos dos seus representantes, tem uma parte de sua política social voltada prioritariamente para esse segmento que é majoritário na Bahia no âmbito da mestiçagem que formatou a sociedade local, e certamente saberá se sair desse enorme problema.


  A questão, no entanto, é sair sem deixar seqüelas de parte a parte, uma vez que não se conhece, historicamente, conflitos com armas em punho sem perdedores. E, por ora, tanto Muricy; quanto São Bernardo estão "armados" até os dentes.