Saúde

MULHERES TRANS E TRAVESTIS ENFRENTAM PRECONCEITO EM SERVIÇOS DE SAÚDE

Pesquisa da Uesb aponta que mulheres trans enfrentam preconceito e desinformação em serviços de saúde
Ascom UESB VCA , Salvador | 20/10/2021 às 09:26
Náila Neves
Foto: Divulgação

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Este é o artigo 196, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Claramente, ele reconhece a saúde como direito fundamental a todo cidadão brasileiro.


Para melhorar a condição de acesso à saúde, o país também possui um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, o SUS, que possibilita assistência integral e completamente gratuita, desde o nascimento, a todos os brasileiros e brasileiras. No entanto, o que se vê na teoria descrito na lei, não é aplicado na prática.


A falta de acesso à saúde é uma realidade enfrentada por mulheres trans e travestis, identificada pela farmacêutica e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade da Uesb, Náila Neves. Em fase de conclusão, na pesquisa intitulada “Transgeneridade: memória e percepção das barreiras de acesso à saúde e promoção de saúde de mulheres trans e travestis”, Náila busca fornecer informações que evidenciem os métodos e as causas que afastam esse público dos serviços de saúde.


“Atualmente estou finalizando a pesquisa empírica e os resultados que parecem surgir é que uma das principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres trans e travestis nos serviços de saúde públicos e privados é ainda a discriminação e preconceito por parte dos profissionais de saúde, sobretudo no desrespeito ao uso do nome social”, esclarece.


Outro problema identificado pela pesquisadora, está relacionado com a formação dos profissionais da área de saúde que não são preparados para lidar com as questões desse público. “O desconhecimento dos profissionais acerca das demandas específicas de cuidados de pessoas trans para além das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) também é indicado como um dos motivos que levam a essas pessoas a não acessarem os serviços de saúde, tendo como principal consequência adoecimento e agravamento da condição da saúde das pessoas, adoecimento mental, etc.”


Metodologia – Realizada em duas etapas, sendo a primeira concretizada por meio da revisão bibliográfica e, a segunda, através de pesquisa qualitativa em forma de entrevistas, Náila mergulhou sobre a questão da memória coletiva e na temática que permeia a história e a questão dos dispositivos legais de acesso a saúde das pessoas transgêneras. Preliminarmente, doze participantes que se identificam como mulheres trans e travestis, nas cidades de Vitória da Conquista e Salvador foram entrevistadas.


“Eu abordo diversas partes das vidas delas como a construção da sua identidade de gênero, o acesso a serviços de saúde, o convívio na cidade, a experiência de violência e discriminação, eu exploro também as relações sociais, amorosas, familiares e, por fim, as expectativas e os desejos para o futuro dessas participantes”, explica.


A partir de um roteiro semiestruturado, a pesquisadora coletou informações traçando um perfil com os dados demográficos e socioeconômicos. As participantes estão na faixa etária que compreende a idade de 20 a 50 anos, escolaridade até no máximo o Ensino Médio, normalmente de baixa renda, em sua maioria vivem da prostituição como situação ocupacional e, se autodeclaram, como pessoas negras, pardas e pretas.


Resultados preliminares – O preconceito vivido diariamente por mulheres trans e travestis é a principal barreira a ser derrubada dentro dos órgãos e espaços de saúde. Neves pontua que o problema é uma questão social, uma vez que traz julgamentos enraizados na sociedade. “Uma das coisas que mais aparecem nas narrativas é que a dificuldade de acesso começa a partir do desrespeito a sua identidade de gênero, quando os profissionais de saúde não respeitam sequer o nome social delas”.


A pesquisa também vai mostrar que a falta de informação e o desinteresse em conhecer e respeitar a causa LGBTQIA+ contribuem para a exclusão dessas identidades. “Por mais, que às vezes, ele tenha consciência que os serviços de saúde devem incluir esse usuário independente de sua raça, classe ou gênero, porque isso é determinado não só pela nossa Constituição, mas por várias outras Portarias e Leis, inclusive, a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, há uma memória que é construída por esses profissionais que é totalmente heteronormativa e cisgênera, que não respeita as diferenças e as diversidades sexuais de gênero, principalmente, das pessoas trans”, destaca.


O afastamento das mulheres trans e travestis dos serviços de saúde acontece porque essas pessoas se sentem maltratadas nesses espaços, distanciando-as dos cuidados com a saúde. Neves salienta que “muitas delas só procuram o serviço de saúde quando já estão em adoecimento grave, porque não têm coragem devido às diversas vezes que sofreram violência institucional por parte dos profissionais de saúde. O que a gente entende que não deveria acontecer, mas infelizmente acontece”.


Contribuição social – Diante dessas questões e por entender que a Universidade, através de grupos de pesquisa e ações de extensão, tem um papel importantíssimo na sociedade, a doutoranda Náila Neves sugere a formação de parcerias entre as instituições de Educação e Saúde, a fim de melhorar o cuidado, a atenção e a promoção à saúde dessas pessoas que mais precisam. “Nós não temos um currículo formativo de profissionais de saúde que pense a diversidade sexual e de gênero para além desse modelo homem e mulher heterossexual.


Então, nós temos que promover intensas mudanças, não só no sentido da saúde, mas a gente pode fazer um trabalho multiprofissional com profissionais da educação, do direito, da assistência social, pois há uma série de possibilidades em que a Universidade pode atuar para o cuidado integral e equânime das pessoas trans”, conclui.


Ainda segundo a pesquisadora, um dos propósitos é que o estudo vire uma política pública municipal, projeto de lei ou que embase um novo programa curricular dos cursos de saúde. “Sou ambiciosa com minha pesquisa. Quando me perguntaram lá na seleção o que eu esperava da minha pesquisa, eu falei que eu quero um laboratório trans para as mulheres e pessoas trans e travestis aqui no meu município, aqui em Vitória da Conquista. Eu quero que a Política Integral de Saúde saia literalmente do papel e aconteça.”